Contra-semântica

Em memória ativa dos que relativizaram Bolsonaro

Lembro-me bem da ladainha dos que veem na esquerda uma peste. Entre Bolsonaro e Haddad, entre um fascista e um democrata, não faltou quem, por cá, se abstivesse de escolher. Caindo na absurda cantiga da diabolização do PT, acusando o PT de todos os males da corrupção e tendo, assim, por indiferente ganhar a decência ou um projeto doentio de apego à ditadura militar, muita gente disse que se absteria. Não vale a pena recordar os nomes. Vale a pena recordar que a jura de amor que Bolsonaro fez a Ustra (o torturador de Dilma quando ela tinha apenas 18 anos) aquando do golpe parlamentar, não empalideceu alguns democratas portugueses, nem tão pouco o leque de declarações que o então candidato proferiu sedimentando com alegria o racismo, o sexismo e a homofobia. Para os ilustres democratas, o importante era o antipetismo primário em que apostaram e, por isso, Bolsonaro podia odiar a democracia e a laicidade que não tomariam posição conta ele.

Bolsonaro ganhou as eleições e rapidamente a ideia estapafúrdia da luta virtuosa contra a corrupção caiu por terra. O Juiz Sérgio Moro, um justiceiro com ambições políticas, um corrupto que manipulou a prova testemunhal para garantir a condenação de Lula, teve o prémio que pretendia, ascendendo a Ministro da Justiça, coisa que os tais democratas devem ter por normalíssimo. Agora, é Moro, o ajudante dos sucessivos golpes que levaram Bolsonaro à presidência, que se demite em jeito de lançamento da campanha presidencial.

Ficámos a saber que Bolsonaro demitiu o diretor da Polícia Federal porque ele não o ajudava em relação às investigações que envolvem os filhotes e parece que Bolsonaro queria que não investigassem o assassinato de Marielle Franco. Moro, de dedo em riste, acusa Bolsonaro e recorda, imagine-se, que Lula e Dilma jamais interferiram nas investigações que os visaram, pedindo respeito pelo princípio da separação de poderes.

Num momento em que Bolsonaro equaciona o regresso ao Ato Institucional 5, portanto o regresso à legalidade da ditadura, é justo perguntar aos que o relativizaram se já perceberam. É justo perguntar se, de agora em diante, vão continuar a ter por indiferente votar em fascistas ou em quem se lhes oponha.

E, já agora, é justo perguntar se haverá democratas que terão a cara de pau de dizer que chegou o tempo de Sérgio Moro.