Mário Cláudio

Cumprida a nefanda profecia maia, a verdade é que ainda cá estamos todos, e o mundo acaba de recomeçar. O asteróide colidiu com a Terra, o planeta invisível também, o sismo devastou a "bola de lama", o tsunami que se lhe seguiu alagou os continentes, e a queda no buraco negro, prevista ao exacto minuto, consumou-se com britânica pontualidade. Os sete bilhões de seres humanos, e os representantes de quanta bicheza coube, ou não obteve direito de ingresso, na arca de Noé, evaporaram-se sem largar rasto, quedando-se apenas, a pairar como um brinquedo contra um crepúsculo vermelho, a eterna nave dos eleitos, essa que ninguém afinal avistará. Atingido o fim dos tempos, um ligeiro tremor luminoso manteve-se sem serventia, a comandar no deserto dos desertos o percurso do frágil marcador uniball, utilizado na redacção desta crónica.

Muito lentamente, e ao longo de milénios e milénios, consolidava-se aquela cintilação numa esfera perfeita, e já não azul como a que ocupara idêntico lugar no espaço, mas dourada, e a rodar no seu eixo de inefável harmonia que outros olhares, e outros ouvidos, iriam discernir. Prometidos ao equilíbrio infinito, formigariam por aí bípedes e bípedes que se supunham racionais, e entre eles dois milhões morreriam de fome todos os dias, e o número de guerras não cessaria de triplicar a cada contagem, fomentado por cidadãos prudentíssimos, e acima de qualquer suspeita, serenamente repoltreados sobre cinquenta mil engenhos nucleares. Extinguir-se-iam entretanto três espécies animais por hora, e quotidianamente cento e quarenta plantas, e a subida progressiva da temperatura desencadearia alterações dramáticas do clima, profundas agressões à biodiversidade, e hecatombes sem conta, sem pausa, e sem medida.

Um novo asteróide explodiria no embate com o tranquilo corpo resplandecente, girando em torno de si mesmo, e da estrela que lhe assegurava a persistência cósmica, um terramoto assolá-lo-ia de lés-a-lés, e as ondas galgar-lhe-iam o solo, até se esvair a sua massa no abismo dos abismos. Calendário nenhum lhe assinalara o termo, despovoado como se achava de civilizações piramidais, e de revisitantes alienígenas, atraídos pelo brilho irresistível que distinguiam, pelas superiores formas de existência que nele fantasiavam, e pela suspeita de que beneficiasse de paisagens mais amenas.

O grão de poeira viaja agora pelo mapa do universo, cego no rumo que lhe impõem, e ignorante do destino a alcançar.