Sociedade

Serviços de saúde mental vão ser reorganizados: o objetivo é “aproximar os serviços dos cidadãos” e hospitais devem “promover a humanização”

O novo modelo de organização dos serviços de saúde mental, agora fixado em decreto-lei publicado esta terça-feira, prevê que cada região de saúde tenha um plano regional. Também será criada uma coordenação nacional que reportará diretamente ao ministério e que terá como responsabilidade avaliar a execução do Plano Nacional de Saúde Mental

MIGUEL PEREIRA DA SILVA/LUSA

De acordo com a nova organização dos serviços de saúde mental, cada região de saúde vai ter um plano regional. A medida está prevista no decreto-lei que “estabelece os princípios gerais e as regras da organização e funcionamento dos serviços de saúde mental”, publicado em Diário da República esta terça-feira.

Segundo o decreto, em que se reconhece que as respostas implementadas em Portugal nesta área “são ainda insuficientes” — prevalecendo “assinaláveis assimetrias geográficas" — e se refere que a prestação de cuidados de saúde mental deve ser “prioritariamente promovida a nível da comunidade”, a elaboração e execução desses planos vão ser da responsabilidade das coordenações regionais de saúde mental.

Estas estruturas devem também “colaborar na definição das políticas de saúde mental” e “incentivar a participação das instituições da comunidade, públicas ou privadas, no desenvolvimento de ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação” na área da saúde mental.

Entre outros membros, serão compostas por representantes de centros de saúde e profissionais de psiquiatria, enfermagem de saúde mental, psicologia, serviço social e terapia ocupacional.

Em entrevista recente à Lusa, Miguel Xavier, diretor do Programa Nacional de Saúde Mental, que fez parte do grupo de trabalho que elaborou esta nova proposta de reorganização dos serviços, sublinhou a importância da criar estas estruturas, que vão permitir a cada região de saúde “tomar decisões adequadas às populações que bem conhece”.

Estrutura para avaliar a execução do Plano Nacional de Saúde Mental

O decreto-lei prevê também a criação de uma coordenação nacional, que reportará diretamente ao ministério da Saúde e terá como responsabilidade acompanhar a execução do Plano Nacional de Saúde Mental. “À Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental incumbe participar na definição, promover e avaliar a execução e apresentar propostas para a revisão das políticas de saúde mental, nomeadamente através do acompanhamento da execução do Plano Nacional de Saúde Mental”, refere o diploma.

Este organismo será constituído por um coordenador nacional, que aguarda nomeação por parte do Governo, e pelos coordenadores regionais de saúde mental. Integrará ainda um psiquiatra da infância e adolescência, um enfermeiro especialista em enfermagem de saúde mental e psiquiátrica, um psicólogo, um assistente social e um terapeuta ocupacional. Segundo uma notícia publicada recentemente pelo jornal Público, o Governo tem até 31 de janeiro para nomear os responsáveis por este órgão de coordenação nacional.

O diploma especifica também as funções e competências de outros serviços, estruturas e organismos da área da saúde mental. São exemplo o Conselho Nacional de Saúde Mental, os Conselhos Regionais de Saúde Mental, os Conselhos Locais de Saúde Mental, os serviços regionais de saúde mental, os serviços de saúde mental de crianças e adolescentes e os serviços locais de saúde mental.

40 equipas comunitárias até 2025 com uma (grande) ajuda do PRR

Estes últimos, que correspondem aos serviços ou departamentos de psiquiatria que existem nos hospitais, terão como funções “prestar cuidados especializados a doentes internados em ligação com outras especialidades” e acompanhar doentes que estão integrados em unidades de cuidados continuados, acompanhamento que, como tem sido apontado por representantes de associações ligadas a esta área, nem sempre existe ou não existe de uma forma regular e consistente.

Parte do trabalho destes serviços dos hospitais deve ser assegurado por equipas comunitárias de saúde mental, como já acontece em algumas regiões e localidades do país, embora de forma pouco homogénea. Até 2025 vão ser criadas, aliás, 40 destas equipas, refere o diploma, remetendo para o Plano de Recuperação e Resiliência, que prevê uma verba de 85 milhões de euros para a conclusão da reforma da saúde mental.

A partir de 2026, o número de equipas comunitárias a criar será fixado “por despacho dos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde”.

Hospitais psiquiátricos devem “promover a desinstitucionalização” dos doentes

Sobre os hospitais psiquiátricos, refere o decreto-lei que devem “assegurar a prestação de cuidados de saúde mental aos doentes de evolução prolongada que neles se encontram institucionalizados” e “promover a humanização e melhoria das suas condições de vida” — embora devam, em simultâneo, “promover o processo de desinstitucionalização das pessoas com doença mental” que neles residem. Também têm a responsabilidade de desenvolver programas de reabilitação “adaptados às necessidades específicas” dos doentes, “apoiando a sua reinserção na comunidade”.

Os serviços de saúde mental, refere ainda o diploma, devem trabalhar “de forma articulada” com os centros de saúde, bem como com “outros serviços envolvidos na reabilitação psicossocial, nomeadamente de apoio social, de educação, de emprego e de habitação”. O objetivo de tal articulação — e do novo modelo no geral — é aproximar os serviços dos cidadãos, necessidade reiterada por Miguel Xavier na referida entrevista à Lusa e apontada como “o aspeto mais importante de todos”. O modelo previsto no diploma reforça “a perspetiva comunitária da prestação de cuidados de serviços de saúde mental”.