Exclusivo

Sociedade

“O país que inventou a Via Verde pode com certeza criar um mecanismo para cobrar pelo uso das áreas protegidas”. Miguel Araújo, biogeógrafo

O biogeógrafo vencedor do Prémio Pessoa 2018, Miguel Araújo, lembra que “muito pouco do que se pratica em Portugal é gestão efetiva do território e dos valores patrimoniais que nele se encontram” e que “é necessário criar incentivos para que os agentes que gerem o território sejam os principais protetores da biodiversidade”. A conversa surge a propósito do relatório de reflexão do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável, que concluiu que as autoridades nacionais não cuidam devidamente das áreas protegidas e das espécies e habitats que estas devem conservar. Como um dos conselheiros deste órgão consultivo, o cientista defende que o financiamento da conservação da natureza em Portugal pode passar pela cobrança de taxas turísticas ou de portagens a quem a visita

Tiago Miranda

“O ordenamento sem gestão não passa de uma declaração de intenções”, constata Miguel Bastos Araújo, a propósito da reflexão do Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS), de que faz parte. As recomendações deste órgão consultivo já seguiram para o Governo e a Assembleia da República. Entre estas constam “a definição de um modelo de governança e gestão para as áreas protegidas estável, transparente e eficaz”; o reforço de meios para que a conservação da natureza seja eficaz; a aprovação de “planos especiais que vinculem os particulares, por forma a garantir a coerência nacional “; e o reforço da educação para o ambiente e a sustentabilidade. A propósito desta reflexão, o biogeógrafo defende que “a degradação deste capital natural só pode ser invertida se pararmos de desenvolver atividades que o degradem” e que “tal acontecerá quando os proprietários perceberem que proteger a natureza é tão ou mais rentável que destrui-la”.

Neste relatório, o CNADS constata que Portugal não gere as áreas protegidas que tem e, por isso, não é de estranhar que 75% dos habitats e 62% das espécies protegidas (cujo estatuto se conhece) em território nacional estejam em mau estado. A que se deve esta má gestão?
O relatório conclui que tem havido alguma confusão semântica nos termos usados para descrever as atividades realizadas nas áreas protegidas. Chama-se gestão a ordenamento do território e cogestão a cogovernança. Um dos problemas de repetir de forma equivocada a palavra “gestão”, no discurso político sobre áreas protegidas, é que transmite a mensagem de que existe gestão quando na realidade muito pouco do que se pratica é gestão efetiva do território e dos valores patrimoniais que nele se encontram.