Até para as orquídeas que tem em casa Maria Irene Moreira deixou de gostar de olhar. Também deixou de querer costurar, que sempre foi a sua terapia para os dias de maior agitação no trabalho e que a ajudava a “passar o tempo”. “Perdi a vontade de fazer todas as coisas de que gosto.” O cansaço que a infeção pelo vírus da covid-19 lhe trouxe era muito. Um mês e meio depois de ter sido dada como curada e ter voltado ao trabalho — é coordenadora das equipas de auxiliares do Hospital de Santo António, no Porto, e tem 49 anos — ainda se sentia muito “debilitada” e andava “cansada, sempre muito cansada, sempre muito esquecida”. “No trabalho, não conseguia passar pelos serviços todos do hospital sem descansar, não tinha forças. Também não conseguia concentrar-me em nada, fazer os horários e os planos de trabalho das equipas. Fazia e revia e revia e voltava a rever. Custava-me sair de casa, as vozes das pessoas na rua incomodavam-me e o barulho dos autocarros também. Fui-me abaixo, chorava por tudo e por nada.” Algumas destas dificuldades desapareceram com o tempo, mas outras mantêm-se mais de um ano depois de ter sido infetada pelo vírus. “Antes limpava os dois pisos da minha casa de uma ponta à outra, agora preciso de dois dias para o fazer. Continuo a sentir-me muito cansada. A concentração ainda não está a 100%. É como eu costumo dizer: ainda não voltei a ser eu.”
Maria Irene Moreira é uma das centenas de pessoas que estão a ser avaliadas pelo Serviço de Neurologia do Hospital de Santo António, no Porto, no âmbito de um estudo sobre as consequências neurológicas da covid-19 a longo prazo. Os resultados preliminares, partilhados com o Expresso, mostram que ao fim de um ano quase metade (47,9%) mantém queixas de alterações cognitivas. São sobretudo ao nível da memória, mas traduzem-se também em “problemas de atenção e concentração”, “dificuldades em planear tarefas e realizar várias ao mesmo tempo” e “dificuldade em encontrar as palavras certas para determinada situação”, explica Vanessa Oliveira, neurologista e uma das responsáveis pelo estudo.