Na última sexta-feira, o juiz Carlos Alexandre enviou por correio precisamente cem perguntas sobre o caso de Tancos ao primeiro-ministro António Costa, que é testemunha do então ministro da Defesa Azeredo Lopes. No despacho, a que o Expresso teve acesso, o magistrado quer saber ao certo qual o grau de informação do primeiro-ministro sobre o roubo do material de guerra e na posterior encenação da entrega das armas a uma equipa da Polícia Judiciária Militar (PJM) e da GNR de Loulé.
Nas primeiras trinta perguntas, o juiz de instrução do caso pretende saber se Costa foi ou não informado pelo então ministro da Defesa Azeredo Lopes da investigação paralela que estava a ser realizada pela PJM, à revelia da então procuradora-geral da República Joana Marques Vidal. Um pouco mais à frente, Carlos Alexandre pergunta se Costa teria conhecimento de uma suposta autorização de Azeredo Lopes ao então número um da PJM, o coronel Luís Vieira, para este executar a recuperação [ilegal] do material.
A relação mantida entre Azeredo e Vieira merece várias perguntas, entre as quais se António Costa fora informado de reuniões tidas entre aqueles dois altos responsáveis, bem como de uma suposta entrega de documentos, um deles em segredo de justiça, ao ministro da Defesa.
Também a recuperação das armas num baldio na Chamusca por parte da PJM e da GNR, quatro meses após o assalto, merece a atenção de Carlos Alexandre. O juiz quer saber quando, como e quem informou Costa sobre a descoberta do arsenal. E quando é que o primeiro-ministro se apercebeu que as informações sobre aquela operação não correspondiam à verdade.
O magistrado quer também perceber o conteúdo da conversa tida entre Costa e Azeredo no debate quinzenal no Parlamento nesse mesmo dia [18 de outubro de 2017]. E também no Conselho de Ministros Extraordinários, que se realizou três dias depois.
Sobre esse período, o juiz de instrução enfatiza o encontro tido no Ministério da Defesa entre o diretor da PJM e o inspetor-chefe daquela polícia, o major Vasco Brazão. Nessa reunião, os dois homens entregaram um memorando ao chefe de gabinete de Azeredo Lopes e Carlos Alexandre pergunta também se o primeiro-ministro tinha conhecimento do conteúdo desse documento não rubricado e que falava de um informador da PJM na operação da entrega do arsenal furtado na madrugada de 28 de junho de 2017.
"Tem conhecimento que foi entregue um documento não assinado, sem timbre? Quando teve conhecimento da entrega desse documento? Que perplexidades suscitou a sua leitura?", pergunta, quase no final, Carlos Alexandre.
Nesta fase da inquirição, Carlos Alexandre quer perceber se o primeiro-ministro sabia que o inquérito estava nas mãos da PJ civil e não da PJM. E se não achou estranho que o comunicado da PJM sobre a falsa descoberta das armas tenha feito referência à GNR de Loulé, que nada tinha a ver com o caso.
Carlos Alexandre pergunta mesmo se António Costa ficou a par do desconforto demonstrado por Joana Marques Vidal ao perceber que a PJ tinha sido ultrapassada pela PJ militar. E que medidas tomou ao saber desse descontentamento. O juiz pergunta ainda ao primeiro-ministro se é verdade que felicitou o trabalho da PJM na recuperação das armas.
O magistrado quer ainda saber se Costa teve conhecimento de um email enviado pelo coronel Luís Vieira ao major Vasco Brazão, um dia depois do achamento das armas na Chamusca, em que o primeiro-ministro é referido. "Atenção que eu ao chefe da casa militar do PR contei tudo o que sabia à data de 19set. O primeiro-ministro deve estar a receber inputs de vários lados", escreveu Vieira.
A última pergunta, a número cem, Carlos Alexandre refere-se a este email. "Mesmo no caso de não ter conhecimento do mesmo, sabe esclarecer o conteúdo deste email? Que inputs, no sentido de informações, recebeu nessa data sobre o caso de Tancos?"
Np despacho, o juiz faz questão de sublinhar que preferia ter ouvido o primeiro-ministro presencialmente "em abono dos princípios da imediação e da oralidade", mas que face à recusa do Conselho de Estado, "não restou outra alternativa" que não o depoimento por escrito.