Sociedade

José Guilherme: Os negócios do construtor que valeram uma prenda de 14 milhões a Salgado

Este artigo foi publicado originalmente no Expresso a 2 de agosto de 2014. Recuperamo-lo agora, numa altura em que os negócios dos empresários estão sob a mira da Polícia Judiciária

Bulgária. Esse teria sido o destino de José da Conceição Guilherme se não fosse Ricardo Salgado. O maior construtor civil da Amadora decidiu investir em Angola porque foi convencido há dez anos pelo agora ex-presidente do Banco Espírito Santo (BES) a virar--se para a antiga colónia portuguesa.

Por isso, e pelo apoio que Salgado lhe deu para que se instalasse como um dos maiores investidores imobiliários em Luanda, o empresário resolveu agradecer-lhe com uma transferência de 14 milhões de euros para uma conta pessoal de Salgado na Suíça. "Ajudou-o a entrar em Angola", justifica João Rodrigues, então advogado de José Guilherme.

O presente de 14 milhões tem feito correr muita tinta. A transferência foi detetada pelo Ministério Público na investigação do caso 'Monte Branco', que começou por ter como epicentro uma empresa suíça de gestão de fortunas com sede em Genebra, a Akoya.

O dinheiro passou de uma offshore ligada a José Guilherme para uma conta no Crédit Suisse titulada por uma outra offhore com sede no Panamá, a Savoices, cujo beneficiário era Ricardo Salgado. O banqueiro e o construtor civil eram ambos clientes da Akoya e aquele movimento levantou suspeitas de fraude fiscal, que acabaram por ficar esclarecidas em 2012. Mas outras dúvidas permaneceram. O que levaria um empresário a dar tanto dinheiro a um banqueiro? Na Suíça, as regras de supervisão bancária exigem que todas as entradas e saídas de dinheiro de uma conta superiores a 100 mil euros tenham de ser justificadas junto dos bancos. O Expresso apurou que a Akoya deu como explicação ao Crédit Suisse, para a transferência dos 14 milhões, a realização de serviços relacionados com negócios imobiliários em Angola.


Fontes em Luanda ligadas ao BES Angola (BESA) revelaram esta semana ao Expresso que o banco abriu na última década uma linha de crédito de 1,1 mil milhões de dólares a sociedades ligadas a José Guilherme. João Rodrigues reconhece que o BESA concedeu crédito ao construtor numa fase inicial da presença das suas empresas em Angola, mas "nem de longe nem de perto" foram utilizados valores tão elevados. E acrescenta que neste momento o empresário não deve "um cêntimo" à banca em Angola ou Portugal. "Os créditos que tenham sido concedidos estão totalmente pagos", assegura. Confrontado se teve condições especiais nos empréstimos contraídos junto do BESA pelo facto de ter sido levado para Angola pela mão de Ricardo Salgado, o representante do construtor civil diz que José Guilherme é cliente do BES em Portugal há 40 anos e que as relações com aquela instituição financeira são iguais às que mantém com outros bancos. "Em Angola, além do BESA, o grupo é cliente de mais três bancos", revela.

Contactado pelo Expresso através de um assessor, Ricardo Salgado optou por não fazer comentários, alegando que este assunto faz parte de um processo-crime que se encontra em segredo de justiça.

As torres de Luanda

Em dez anos, o Grupo José Guilherme foi responsável por alguns dos empreendimentos mais ambiciosos de Luanda.

No centro da cidade, está a terminar as Torres Oceano, dois edifícios com 30 andares cada, avaliados em 305 milhões de dólares e que passaram a ser os mais altos da capital angolana, rivalizando com os 25 pisos do Sky Center, o complexo de quatro torres com cem metros de altura construído pela ESCOM, o aglomerado de empresas ainda sob controlo do Grupo Espírito Santo.

Antes disso, o empresário português já tinha construído o condomínio Dolce Vita, no bairro de Talatona, no sul da cidade, um investimento de 350 milhões de dólares com 32 edifícios e um total de 450 apartamentos. Estão à venda por preços que vão dos 380 mil aos dois milhões de dólares. Foi ainda responsável pelo complexo Clássicos de Talatona, onde estão instalados alguns ministérios e que o Estado angolano comprometeu--se, num contrato-promessa de compra e venda, a adquirir por 600 milhões de dólares.

Guilherme criou boas relações com o governo de José Eduardo dos Santos, sendo alegadamente sócio de Steven Santos, filho de Marta dos Santos, irmã do Presidente.

Desde que Ricardo Salgado convenceu o construtor da Amadora a apostar em Angola, o empresário viaja regularmente até Luanda, onde costuma ficar alojado no Sana Residence, considerado um dos melhores hotéis da cidade. O seu filho, Paulo Guilherme, que o ajuda nos negócios, mudou-se para lá. Um luxo que contrasta com a vida simples que leva nos subúrbios de Lisboa. Por opção, mora num apartamento de um dos prédios que construiu há várias décadas no centro da Amadora. Embora tenha um refúgio em Portugal mais adequado com a sua fortuna: uma herdade de 2700 hectares na Amareleja, no coração do Alentejo (cinco vezes maior do que a Herdade do Esporão, mas ainda assim cinco vezes mais pequena do que a Herdade da Comporta). É aí que há muitos anos tem construído uma relação próxima com nomes sonantes da política e da alta finança.

São frequentes os convites para caçadas ao javali ou à perdiz. Também é aí que produz um vinho que hoje vende exclusivamente em Luanda.