O processo tem um nome estranho, que dificilmente permite fazer adivinhar a beleza das imagens que produz. Mas sim, os retratos únicos que nascem com a assinatura do estúdio Silver Box, bem no coração de Lisboa, resultam da utilização do colódio húmido, um método fotográfico com quase 160 anos, que aqui se conjuga com uma estética moderna para criar fotografias a preto e branco, “de atmosfera e expressividade intemporais”.
Rute Magalhães e Filipe Alves são o casal por trás desta autêntica magia, possível porque, subidos ao 4º andar do velhinho prédio da Rua Braamcamp, o tempo anda para trás e mergulhamos num ritmo onde não cabe a pressa, a impaciência ou o apelo do disparo fotográfico em série, a pensar nas redes sociais.
Nada contra. Mas o conceito dos mentores do Silver Box é outro, fruto de uma curiosidade antiga pela fotografia com processos “mais esquisitos e alternativos”. Sorriem os dois, antes de explicarem que o gosto pela fotografia foi mesmo uma das coisas que os uniu, pelo que fizeram questão de irem “complicando a coisa, comprando mais químicos e fazendo mais experiências” - como a holografia, no caso do Filipe – até ganharem “coragem” para arriscar naquela que foi uma descoberta “fascinante”.
“Foi amor à primeira vista”, confessa Rute, ao recordar as primeiras experiências com as chapas banhadas com prata.
Vale a pena explicar como tudo acontece. O método distingue-se por captar as imagens usando placas de vidro ou metal, humedecidas com a substância chamada colódio, a base que depois é sensibilizada com um banho de nitrato de prata. O passo seguinte é a exposição à luz, de modo a que a fotografia seja feita com as placas ainda húmidas, durante um intervalo de alguns minutos.
“Trazer de volta a solenidade de ir ao fotógrafo”
É difícil que o entusiasmo dos fotógrafos não contagie quem os ouça descrever o seu trabalho. Rute fala de um processo “coreográfico, manual e orgânico”, que significa “estar a trabalhar com as bases da fotografia, sabendo que tudo, mas mesmo tudo, influencia o resultado final”: a temperatura, a luz, passando por qualquer pequena interferência no estado dos químicos ou pela própria disposição do fotografado.
Felizmente, quem chega percebe a filosofia do ofício, explica o casal. As pessoas deixam-se envolver pela decoração, a remeter para uma qualquer época do passado, e os retratos nas paredes lembram-lhes (ou fazem-nos descobrir) ao que vêm, ajudando a criar o espírito próprio. A ambiência do estúdio, de paredes altas e escuras, com mobiliário antigo e um canapé em posição de destaque, lembra uma Lisboa “Camiliana e romântica”, diz o site do Silver Box. É completamente intencional, tal como o ser “retratado com uma máquina de madeira como antigamente” cumpre o objetivo de “trazer de volta a solenidade de ir ao fotógrafo, como faziam os nossos bisavós”.
“Foi este processo que nos ensinou a fotografar de outra forma”, comenta Filipe, que é arquiteto de formação: “Obrigou-nos a ser menos caóticos”.
Porque, curiosamente, a maior parte do tempo envolvido é menos o período da exposição à máquina (varia entre 5 e 12 segundos) ou o trabalho de laboratório, e muito mais o da “preparação do retrato”. Em tudo o que a palavra encerra, faz sentido falar de uma experiência, algo que as pessoas sentem como um momento “especial”.
“Talvez porque vivemos num tempo em que queremos muito controlar a nossa imagem, preocupados com a forma como a mostramos aos outros, o que sentimos é que as pessoas por vezes se sentem vulneráveis aqui”, conta Rute. Por isso é importante colocá-las à vontade.
Os fotógrafos gostam de lhes explicar tudo, levá-las ao laboratório, para que participem e assistam ao momento da “transformação” e “até agora, tem sido uma experiência positiva”.
“É sempre uma descoberta”, garante Filipe, que apesar dos anos de prática, continua a ficar surpreendido com os retratos. “O próprio processo tem esse lado. Como é sensível ao azul e aos ultravioleta, devolve-nos pormenores que muitas vezes não vemos a olho nu”.
Maratona de retratos
Embora há cerca de quatro anos no estúdio atual (que é também a casa de habitação do casal), os alicerces da Silver Box nasceram noutra casa, pertinho do Parlamento. Cresceu “devagarinho”, e ganhou ares de negócio, sobretudo graças ao incentivo dos amigos.
“Começaram por ser as nossas cobaias e foram depois os nossos embaixadores, encorajando-nos, porque diziam que havia mercado para este produto”, diz Filipe.
Havia, de facto, como vêm comprovando, sobretudo nos sábados em que – com aviso prévio - abrem as portas para uma “maratona de retratos”, um dia inteiro a receber pessoas que não se importam de esperar horas para se imortalizarem à moda antiga.
Muito procurados por pessoas entre os 30 e os 40 anos, maioritariamente da região de Lisboa, Rute e Filipe também têm alguns clientes regulares, verdadeiros fãs, “que aparecem sempre, e com quem é mais fácil arriscar fazer coisas diferentes”. Fotografar crianças abaixo dos 6 anos pode ser difícil, reconhecem, pelo comportamento irrequieto aumentar o “risco de a imagem ficar desfocada”, mas também já lhes aconteceu ter modelos inesperados.
“Marcou-me o caso de uma senhora que veio com o seu cão, que estava a morrer, por querer ficar com uma recordação. Deixámos o animal correr aqui pelo estúdio, para ficar à vontade, e no final correu tudo bem. Foi bonito”, recorda Rute Magalhães.
Quando pensa no futuro, Rute “gostava que o estúdio se mantivesse como é, um lugar que as pessoas descobrem com surpresa, aventurando-se a entrar, e que cativa quem tem genuíno interesse pelo processo”. Mas também lhes parece fazer sentido saírem de vez em quando deste espaço, para se darem a conhecer em lugares óbvios como os museus. Já foram convidados a estar presentes durante quatro meses no de Arte Contemporânea, em Lisboa, e gostavam de repetir. “Pensamos logo no Palácio da Ajuda...”
Gostam eles próprios de ser fotografados? Nesta matéria não há sintonia. “Não gosto nada”, responde Filipe, deixando transparecer o desconforto; enquanto o rosto de Rute se ilumina: “Eu adoro. O artificial, o poder transformar-me por momentos… Adoro” .