Sociedade

Mergulho em seco: as unidades públicas de medicina subaquática e hiperbárica

Portugal tem cinco unidades públicas de medicina subaquática e hiperbárica. Os tratamentos são prescritos para múltiplos problemas, da visão ao pé diabético. Doenças de descompressão, como acidentes de mergulho, afinal, são residuais. Caso da Tailândia chamou a atenção para esta área médica

Ana Baião

A utilização clínica de câmaras hiperbáricas é pouco conhecida para a grande maioria da população e quase sempre está associada a acidentes de mergulho, mas a realidade é outra. Portugal tem cinco unidades públicas de medicina subaquática e hiperbárica e a grande maioria dos utilizadores são utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS) com doenças sem qualquer ligação a atividades na água.

Os centros do Estado funcionam em Matosinhos, no Hospital Pedro Hispano; no Campus de Saúde Militar no Lumiar, em Lisboa; nos hospitais açorianos da Horta e Ponta Delgada e no Hospital do Funchal, na Madeira. Os doentes são sobretudo referenciados por especialistas hospitalares do SNS, e por alguns do setor privado, para tratarem problemas diversos, que vão do foro oftalmológico à diabetes, por exemplo.Os acidentes de mergulho são, afinal, os menos expressivos.

No Campus de Saúde Militar no Lumiar é também assegurada formação e treino aos profissionais de saúde que são chamados à área operacional da Marinha
Ana Baião

Mesmo nas infraestruturas militares do Lumiar, os utilizadores são quase todos civis e com indicações pouco ou nada associadas a doenças de descompressão. “O centro foi criado para dar apoio aos mergulhadores e submarinistas da Armada e formação e treino aos profissionais de saúde que são chamados à área operacional, mas desde o início — em 1989 no Alfeite e desde 2015 no Lumiar — que a população civil também pode usufruir. 98% dos utentes tratados para fins médicos são civis”, explica o diretor do Centro de Medicina Subaquática e Hiperbárica, no Lumiar, Francisco Gamito Guerreiro.

Contas feitas, só a unidade do Lumiar, que serve toda a área entre Coimbra e o Algarve, trata cerca de 50 pessoas por dia, num total superior a dez mil sessões por ano. “O oxigénio hiperbárico tem uma porção de oxigénio maior e chega muito mais às células, plasma [sangue] e tecidos do que com uma máscara de alto débito numa enfermaria. Por isso, torna-se muito importante quando é preciso aumentar o aporte de oxigénio”, explica o médico naval.

Segundo as orientações internacionais, “o tratamento hiperbárico está fortemente recomendado em casos urgentes como intoxicações por monóxido de carbono e doenças de descompressão — os acidentes de mergulho, que no Lumiar são cinco a seis por ano”. As indicações incluem também “embolias gasosas, por consequência de um exame invasivo, por exemplo; gangrenas ou até infeções anaeróbicas, nas quais o oxigénio hiperbárico ajuda a matar as bactérias e a potenciar a atuação dos antibióticos”, acrescenta.

Ainda no grupo “fortemente recomendado”, o oxigénio hiperbárico é utilizado em situações de rotina, com menor urgência. São disso exemplos, a surdez súbita de causa desconhecida, lesões de radioterapia ou tumores da laringe que fragilizam a mandíbula. Neste caso, o ‘oxigénio enriquecido’ atua estimulando a reconstrução dos tecidos.

Igualmente importante, a medicina hiperbárica dá resposta a oclusões da artéria central da retina — o oxigénio hiperbárico evita a cegueira quando o tratamento é feito nas primeiras doze horas — , o pé diabético e até úlceras crónicas associadas a dificuldades na circulação sanguínea.

Dez minutos de ‘descida’

O SNS garante o pagamento dos tratamentos aos seus beneficiários e nem sequer há lugar à cobrança de taxa moderadora. Cada sessão custa cerca de 60 euros e, conforme os casos, podem ser únicas, 20 ou até um total de 80.

Doentes fazem “mergulho a seco”. Sessões de tratamento prolongam-se por 75 minutos
Ana Baião

“Os doentes são colocados numa câmara com 12 lugares, como se estivessem num avião mas sentados frente a frente. A câmara é depois pressurizada para criar o ambiente a uma determinada profundidade, uma espécie de mergulho em seco, e o tratamento começa quando é atingida a profundidade pretendida”, descreve Francisco Gamito Guerreiro.

São dez minutos para fazer ‘a descida’. Os doentes têm uma máscara que debita oxigénio a 100% e assim permanecem durante 75 minutos. Findo o tratamento, o “mergulho em seco” entra na fase final, com 15 minutos ‘de subida’ para fazer a descompressão e assim ‘regressar à superfície’.