Agosto é a silly season, dizem. O melhor é aproveitar a onda e passear na praia. A Ocidente nada de novo. Corpos na areia, lagartas ao sol, cada um está como lhe apetece. Como é óbvio, nem sempre foi assim. Muita água teve de correr entre as braçadas cálidas das raparigas do Havai — que apareciam aos magotes mais leves do que sereias, para receber os marinheiros em paraísos technicolor — e as coreografias em piscinas olímpicas orquestradas por Esther Williams, a prodigiosa atriz nadadora que fazia suspender a respiração nas plateias de machos, ao atravessar em maillot cor-de-rosa choque a tela azul, para emergir à tona da água de flor no cabelo e pespegar um beijo no assarapantado Red Skelton. O filme chamava-se “Bathing Beauty”, traduzido por cá como “A Escola de Sereias”. Marcou as estreias nas salas de cinema desse longínquo verão de 1944, precisamente dois anos antes de o primeiro umbigo ser exibido publicamente. Foi um gesto de grande ousadia, como sempre acontece quando a moda dita as regras e altera comportamentos e mentalidades.
A história começa assim. Em 1946, um engenheiro de automóveis chamado Louis Réard — um senhor francês de ar sério, camisola de gola alta e óculos de massa grossa “à Le Corbusier” — herda a fábrica de família, dedicada à confeção de lingerie, e resolve lançar uma linha de roupa para a época balnear. Depois de trabalhados uns quantos fatos de banho, agarra nas sobras, anula o tecido que cobre a barriga e, do mesmo padrão, faz duas peças. Consta que Réard se terá inspirado nas banhistas feministas de St. Tropez, que se enrolavam em duas partes dos seus incómodos maillots para conseguir bronzear a barriga.
Motivado pelas notícias que enchiam os jornais da época sobre o atol do Pacífico Sul que estava a ser preparado pelos EUA para os primeiros testes nucleares, Réard apoderou-se do nome, Bikini, prevendo o efeito bombástico da sua criação. Monta uma gigantesca operação de publicidade, tratando logo de apresentar a reduzida novidade num desfile de moda que decorria na popularíssima piscina Molitor de Paris. Esse primeiro modelo, bastante tosco por sinal, foi exibido por uma stripper do casino, Micheline Bernardini, a única mulher que aceitou desfilar de barriga ao léu perante as máquinas dos abismados fotógrafos. As imagens correram mundo, indignando a sociedade de então, e o biquíni teve direito a condenação pública da Igreja, proibindo-se a comercialização da escandalosa peça em vários países da Europa.
Mas o atilho foi pegando fogo. Alguns anos depois, umas poucas atrizes, motivadas por realizadores à procura de fama, começaram a encher os ecrãs das salas de cinema da Europa e dos Estados Unidos da América com barrigas ligeiramente destapadas, em imagens que se inscreveram na história e foram divulgadas em páginas de revistas internacionais. No final dos anos 40, por exemplo, as mais famosas pin-ups americanas imitavam o estilo de Marilyn Monroe, que não tinha a mínima vergonha em pousar encostada ao último modelo da Ford de biquíni branco (com cintura alta a tapar o umbigo, é certo) e de sandálias de salto a bailarem-lhe nos pés.
A bomba só estourou realmente em 1953, quando Brigitte Bardot irrompeu nas areias douradas num minúsculo biquíni branco de flores estampadas e em poses lânguidas, mesmo em frente ao famoso Hotel Carlton, onde decorria o festival de Cinema de Cannes. O impacto Bardot foi de tal ordem que, três anos depois, era ela a protagonista de Roger Vadim em “E Deus Criou a Mulher”, dando origem ao culto BB — que se permitia fotografar em todas as formas e feitios, transformando o biquíni numa peça de moda extraordinariamente icónica.
Quando outra musa do cinema (na altura uma perigosa caçadora de conchas) emergiu do Mar do Caribe, de biquíni branco e faca de mergulho na cintura, deu-se uma verdadeira revolução. Era Ursula Andress. A aparição foi em “Dr. No”, o primeiro James Bond da saga 007, eternizando-a como a mais inesquecível das Bond girls. Símbolos sexys à parte, os dados estavam lançados. Anos mais tarde, Ursula dirá: “Devo a minha carreira àquele biquíni. Graças a ele transformei-me num sucesso e, dali em diante, pude escolher todos os meus filmes e tornar-me independente financeiramente.” Desde o início da década de 60 — quando começaram a invadir as praias, revelando os umbigos num sinal inequívoco de emancipação feminina — que os biquínis não mais desapareceriam. O mundo percebeu que eram as mulheres a mandar no seu corpo.
Artigo publicado na edição do EXPRESSO de 13 agosto 2016