O jornalismo (que temos) é útil à democracia? Foi este o tema do colóquio com que o Expresso encerrou, no dia 4, no Porto, as comemorações do seu 40º aniversário. O painel reuniu no auditório da Casa da Música dois jornalistas (Henrique Monteiro e Miguel Sousa Tavares) e dois políticos (Rui Rio e José Pacheco Pereira), com a moderação de José Azeredo Lopes, ex-presidente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). "Sem liberdade de imprensa não há democracia", começou por dizer o ex-presidente da Câmara do Porto, que, à questão de saber se a comunicação social "tem cumprido a sua função de informar bem e com isenção", respondeu que sim, mas "por acaso", uma vez que "tem outras obediências" e não é essa "a sua prioridade".
"O que vende é o fútil, o superficial e o espetacular", havendo "um claro défice de qualidade e de rigor". Autarca nos últimos 12 anos, queixou-se amiúde do "Jornal de Notícias", que acusou de ter chegado a um comportamento "só visto no tempo do PREC". Disse que os media praticam "frequentes atropelos aos direitos básicos dos cidadãos" e fazem "julgamentos na praça pública". Incisivo, Rio apontou o dedo ao jornalismo que se pratica em Portugal como "um dos responsáveis pela degradação do regime democrático".
Azeredo Lopes, o moderador, pediu aos demais participantes que se pronunciassem sobre a intervenção de Rio. O resultado prático foi que esta comunicação pautou toda a sessão. Sousa Tavares foi o primeiro a comentar o que designou como "catilinária de Rui Rio". Rejeitando a acusação de "impunidade", que levaria os jornalistas a agir com "uma certa arrogância", o comentador não hesitou em afirmar que o jornalismo "é uma das profissões mais escrutinadas do mundo".
Uma ideia que Pacheco Pereira refutou, como sendo "completamente absurda". "Não conheço escrutínio do jornalismo no sentido de análise permanente do conteúdo". Foi então a vez de Henrique Monteiro notar que "é isso" que o historiador faz todas as semanas nos próprios media. O ex-diretor do Expresso deu como exemplo do escrutínio do jornalismo a Comissão da Carteira, a ERC e os tribunais. Azeredo Lopes, muito opinativo para um moderador, verificou que "não há uma prática de sanção dos jornalistas". Os dois profissionais discordaram quase em uníssono, invocando a sua experiência enquanto diretores de periódicos. E Sousa Tavares contrapôs com o exemplo da "impunidade da má medicina", a que Monteiro somou os erros de juízes.
Blogues e jornalismo
Pacheco Pereira elogiou Pinto Balsemão, como "o único verdadeiro patrão de imprensa em Portugal". Muito crítico em relação ao trabalho dos jornalistas, afirmou que há uma "interiorização do discurso e da linguagem do poder, sem uma reflexão e distanciamento". Comentando algumas afirmações do ex-deputado do PSD, Sousa Tavares não se coibiu de comparar: "O seu discurso é exatamente o contrário do que dizia há vinte anos. Alguém mudou: ou os jornalistas ou o Pacheco Pereira. E eu acho que foi ele!" No seu estilo cáustico, Tavares diria ainda que "Pacheco Pereira quer uma catequese para o jornalismo".
O historiador condenou o abuso de "fontes anónimas orais" - uma prática que, acentuou, contraria qualquer manual de jornalismo. Falou da "promiscuidade nas relações entre jornalistas e políticos". Na caracterização do jornalismo político usou expressões como "recados" e "intriga". Henrique Monteiro concordou que o jornalismo não deve acolher "opiniões anónimas", a que aliás chamou "cobardes". Pacheco Pereira lamentou que "os jornais permitam todo o tipo de lixo nos comentários" nas edições online. A propósito, Sousa Tavares sentenciou que "nunca tantos souberam tanto sobre tanta coisa". "Os blogues estão a matar o verdadeiro jornalismo", notou, enfatizando que "o essencial é a mediação, o ser testemunha". "O jornal é o barómetro da saúde do doente. E quando os jornais acabarem, duvido que o jornalismo sobreviva."
O ex-diretor do Expresso enfatizou o que é típico do jornalismo: "O valor acrescentado, com distanciamento e alguma reflexão, e um registo prospetivo e interpretativo." O verdadeiro jornalismo, acrescentou, "só se realiza se for escrutinador do próprio poder político". "Abomino a ideia do jornalismo como quarto poder", esclareceu. "O jornalismo não se deve assumir como poder, mas sim como contrapoder, no sentido de um dos contrapesos de uma sociedade democrática."
Em Portugal, acentuou o diretor coordenador editorial da Impresa, "há jornais a mais" - o que mereceu a pronta discordância de Sousa Tavares, para quem "há jornais a menos", além de serem maus. E se Monteiro acredita que "o bom jornalismo faz vender jornais", Tavares não deixou de observar que normalmente "os primeiros a acabar são os melhores".
Sem que tenha assistido ao debate, o ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro, preferiu ater-se no final a algumas posições de princípio. Recordou que participara na primeira série de conferências organizada em janeiro pelo Expresso, quando ainda não pertencia ao Governo. Mas optou por não dizer uma palavra sobre os problemas do sector, de que é o principal responsável na esfera do poder político.
No encerramento das comemorações dos 40 anos do Expresso, Francisco Pinto Balsemão disse que o jornal atingiu a maturidade, o que não significa que vá envelhecer. O segredo é não desistir, tal como o Porto
Depois de percorrer o país de Norte a Sul, Açores e Madeira, a exposição dos 40 anos do Expresso foi saudada com "grande prazer" por Rui Moreira, "admirador e leitor do jornal desde o primeiro número".
No discurso da cerimónia inaugural da mostra, que revisita acontecimentos que fizeram história no país e no mundo, o presidente da Câmara do Porto fez questão de afirmar que a Invicta é uma cidade com memória. "O Porto ainda se lembra dos tempos em que no Expresso o risco azul não escondia que o país podia aspirar a um futuro de liberdade." Para Rui Moreira, a independência "é o maior mérito do Expresso", jornal que Francisco Pinto Balsemão afirma atravessar a idade madura. "O que não significa que caminhe para a velhice", avisa o fundador, que interpreta o facto de a exposição dos 40 anos ter sido inaugurada sem chuva em 11 cidades como um sinal de que é possível olhar o futuro com boas perspetivas. "O desânimo é fácil, importante é não desistir. O Porto é disso um exemplo", referiu.
40 anos é muito tempo
"Como os anos passam", exclamou Ana Santos, de 50 anos, ao olhar para as imagens da revolução de abril, quando, na quarta-feira, se deteve a ver a exposição junto à Casa da Música. "Ainda era catraia e durante uns dias não fui à escola. Uma alegria", comenta Ana, desabafando que, "se calhar", o país precisa "é de outro 25 de abril", para se endireitar. "Já viu aqui, tantos retornados? Tiveram, e bem, ajuda, emprego, e agora os nossos filhos estão a ser mandados embora para trabalhar", indigna-se a auxiliar de fisioterapia.
De visita ao Porto, a dinamarquesa Kristin, que domina um pouco o castelhano, também gostou sobretudo das imagens mais antigas, "as da revolução que acabou com a ditadura". Vasco Pinto, de 17 anos, prefere a foto "da rapariga a abraçar o polícia" nos protestos de 2012. "Só com todos do mesmo lado é que teremos futuro", conclui o estudante do 10º ano. Já para Filomeno Cardoso, a exposição vale pelo todo, embora a evocação da guerra dos Balcãs o tenha feito meditar: "Como foi possível tanta atrocidade na Europa, mesmo ao nosso lado, e há tão pouco tempo?"
Isabel Paulo
Texto publicado na edição do Expresso de 7 de dezembro de 2013