Eram 19 horas, quando, a 9 de agosto, Pedro Afonso, Jorge Fontes e Gonçalo Graça zarparam do porto da Horta rumo à costa norte do Faial. Ao mar, lançaram 500 metros de linha, 50 anzóis e esperaram pacientemente. Cinco horas depois, um jovem tubarão martelo mordeu o isco. Debruçados sobre o bote semirrígido, os três investigadores do Campus da Horta da Universidade dos Açores (UAC) laçaram o pequeno predador, viraram-no de barriga para o ar e introduziram, através de uma incisão mínima, um transmissor acústico.
O objetivo do estudo é encontrar a razão da preferência dos tubarões martelo juvenis pela zona costeira do arquipélago dos Açores bem como a idade em que migram para mar profundo e se tornam oceânicos.
"Embora não estejam em vias de extinção, são uma espécie vulnerável. Reproduzem-se pouco, sem repor a taxa de mortalidade", refere Jorge Fontes.
No Centro do IMAR (Instituto do Mar) da UAC, são vários os projetos de biotelemetria acústica de cetáceos, tubarões e aves marítimas, monitorizados por mais de uma centena de estações de escuta subaquática localizadasemtodo o arquipélago ou por satélite. "O mar profundo e o seu habitat são ainda um gigante desconhecido", diz Ricardo Santos, diretor do departamento de Oceanografia e Pescas.
OprojetoMidas, que tem por meta o estudo dos potenciais efeitos da exploração mineral no mar profundo, foi o último a ser assinado, envolvendo 32 parceiros de instituições científicas de nove países.
"Numa altura em que o Governo regional e central preparam contratos de prospeção com a empresa Nautilus, é preciso acautelar soluções de boas práticas que acautelem a biodiversidade marinha", defende Ricardo Santos.Oprojeto terá a duração de quatro anos e um orçamento de €9 milhões.
Sem margem para crescer em terra, o atlântico é a nova fronteira da economia açoriana. "É a superfície onde reside toda a fantasia", gosta de repetir Mário Fortuna, presidente da Câmara de Comércio dos Açores e responsável pelo departamento de Economia e Gestão da UAC, em Ponta Delgada (cidade onde decorrerá, dia 10, no Salão Nobre dos Paços do Concelho, mais uma das conferências promovidas pelo Expresso para assinalar o seu 40º aniversário, desta vez dedicada ao aproveitamento dos recursos naturais). "O mar que alimenta transformou-se num oceanário natural de lazer, do mergulho com tubarões à natação com golfinhos", acrescenta, embora refira que são ainda as pescas que carregam o maior peso na economia local do mar.
Pescas em queda
Capturadas através das técnicas ancestrais de salto e vara, as espécies de maior valor acrescentado são o goraz, imperador, cherne, mero e pargo, exportadas quase na totalidade. Essencial para a economia do mar é, ainda, o atum fresco, congelado ou em conserva, vendido para o continente e para Itália, Venezuela e para o mercado da saudade dos EUA e Canadá, residências da maior diáspora açoriana.
"Aqui a captura varia imenso de ano para ano, em especial a do atum, devido às correntes e à temperatura das águas", refere José António Fernandes, advertindo que os stocks têm vindo a diminuir por força da procura que ditou a intensificação das pescas.
Segundo o líder da Federação de Pescas dos Açores, em alguns casos a UE já impôs quotas, o que justifica a quebra no valor do pescado transacionado em 2012 (€36,7 milhões), contra €39,5 milhões em 2010. José António Fernandes não acredita que o sector possa crescer. "Com o decréscimo das espécies, o constrangimento de quotas e sem plataforma marítima, nunca teremos uma pesca de toneladas, mas sim de qualidade", sustenta.
Tal como aconteceu a nível nacional e europeu, o sector primário da Região Autónoma dos Açores tem vindo a perder peso na estrutura de empregabilidade no último quarto de século. De acordo com Alfredo Borba, do departamento de Ciências Agrárias, em 1981 as pescas e agricultura/lavoura representavam 31,7% do emprego nas ilhas, enquanto em 2010 equivalia a 11,3%. Hoje, os níveis de empregabilidade do sector rondam os 13%, face ao aumento da agricultura informal de autoconsumo, "normal em tempos de crise", adianta Mário Fortuna.
"Embora gere menos emprego direto, a economia endógena de mar e terra é aqui excedentária, correspondendo em importância amais de metade da economia local", acrescenta.
Terra mais firme
A dependência de subsídios não aflige o líder da Câmara do Comércio, que lembra que este é um problema estrutural europeu, resultante da política intervencionada da PAC. Sem apoios, a agricultura "não será viável nos Açores ou noutro país europeu", frisa Fortuna.
Jorge Rita, presidente da Associação Agrícola de São Miguel, alerta que uma retirada de apoios à agricultura seria "uma tragédia" para a região, embora rejeite a ideia de as ilhas serem pensionistas da PAC.
Num arquipélago onde a lavoura ocupa 90% dos solos disponíveis, mais de 30% do leite recolhido em Portugal em 2012 teve origem nos Açores. "O nosso mercado mais forte é o de proximidade, mas exportamos também para Angola e um pouco por toda a Europa", diz Jorge Rita.
Na cadeia dos derivados, o queijo, com destaque para o São Jorge, é de longe o produto campeão da marca Açores, com um registo de vendas de mais de 28 mil toneladas em 2010, quase o triplo do comercializado em 1990. "O que ainda nos falta é marketing para atingir os mercados de nicho gourmet, já que qualidade não nos falta", diz o líder da Associação Agrícola, recordando que os Açores "safaram-se sem mácula" às pragas das vacas loucas e da carne de cavalo que abalou o sector da carne. O gado abatido nos matadouros locais triplicou desde o final dos anos 80, prática que além de embaratecer os custos de transporte assegura a certificação made in Açores. No meio desta bonança, a abolição das quotas de leite em 2015, "aceite por Portugal", é agora omaior revés no horizonte dos agricultores locais, que temem o expansionismo de países com maior capacidade produtiva, como Alemanha, França ou Polónia.
José Manuel Bolieiro, líder e candidato do PSD à maior câmara do arquipélago, diz que os Açores não podem ser só paisagem e exotismo
Os Açores foram eleitos 'destino preferido europeu 2014'. Que benefícios trará ao arquipélago?
A expectativa é que seja um ano de viragem para o turismo, apesar do retorno não ser imediato.
A nossa maior riqueza é a autenticidade e a beleza natural, mas é preciso ter estratégia e eventos sazonais. Só paisagem e exotismo não chegam para atenuar os custos da longa época baixa das ilhas.
Por que razão há menos turistas a visitar a região?
Por causa da crise. O turista continental é não só o mais frequente, como o melhor consumidor do produto regional.
Não são os emigrantes?
O mercado da saudade é importante, mas economicamente não é o mais vantajoso. O emigrante vem para casa própria ou de familiares, não para hotéis.
Alguns estão a fechar...
Sim, ou com taxas de ocupação reduzidas. Em São Miguel há um excesso de hotéis de cidade e um défice de oferta de turismo rural. A ilha do Pico foi a que antecipou o rumo a seguir, o do ecoturismo. Acertou ao perceber que o nosso turismo não é de massas, de sol e praia, mas de nicho, virado para a terra e o mar. Os Açores têm de ser uma marca de distinção, gourmet.
Como se cria essa marca?
Explorando o carisma da biodiversidade, dando visibilidade à qualidade dos seus produtos e esbatendo rivalidades. As ilhas têm de ser convergente, orgulhosas do que é nosso.
E como se faz esta mudança?
É fundamental que o Governo Regional tenha uma boa política de marketing, invista em eventos sazonais e no turismo de saúde e bem-estar, revitalizando o termalismo nas Furnas, na Ferraria e na Graciosa. E para competir com outros destinos tem de se ajustar o preço dos transportes aéreos. Aqui só se chega de avião e entre ilhas só há viagens de barco no verão.
Por que não há low cost a voar para os Açores?
As low cost só operam para destinos de lucro garantido. E para isso tem de existir massa crítica de clientes flutuantes.
O que pode fazer Ponta Delgada para 'comprar' mais turistas?
Sucedi a Berta Cabral há um ano, e já fiz ruturas. Não sou de entrar mudo e sair calado. Transferi as Noites de Verão para o centro histórico para requalificar o Campo de São Francisco, que deixará de ser um local de gente etilicamente acelerada para dar lugar a uma feira de produtos da região e degustação gastronómica de todo o país.
Dia 5 Portas da Cidade
Abertura ao público da exposição "Expresso 40 anos", que estará patente até dia 15. Nas Portas da Cidade será possível rever as imagens dos principais acontecimentos que ocorreram nas últimas quatro décadas, em Portugal e no mundo.
Dia 10, 11 horas Portas da Cidade
Abertura oficial da exposição "Expresso 40 anos" com as presenças de Luís Neto Viveiros, secretário Regional dos Recursos Naturais, José Manuel Bolieiro, presidente da Câmara de Ponta Delgada, e Francisco Pinto Balsemão, presidente da Impresa, grupo proprietário do Expresso.
15 horas Salão Nobre dos Paços do Concelho
Conferência do ciclo "Expresso 40 anos" subordinada ao tema "A Terra e o Mar: Portugal pode bastar-se a si próprio na agricultura e nas pescas?". Será moderada por Francisco Pinto Balsemão e terá a participação de Helga Barcelos (administradora da Quinta dos Açores), Henrique Granadeiro (presidente-executivo da Portugal Telecom), Ricardo Serrão Santos (pró-reitor da Universidade dos Açores) e António Serrano (professor catedrático na Universidade de Évora).
7/1 LISBOA Portugal no mundo
4/2 COIMBRA Saúde e Segurança Social
4/3 BRAGA Demografia
2/4 AVEIRO Tecnologia e Ciências
7/5 VISEU Educação
4/6 FARO O petróleo vai acabar?
2/7 COVILHÃ Virtualidade
3/9 PONTA DELGADA Recursos Naturais
3/10 FUNCHAL Turismo
5/11 ÉVORA Cultura e Criatividade
3/12 PORTO Media e Comunicação
Texto publicado na edição do Expresso de 7 de setembro de 2013