“Madama Butterfly” (1904/07) é hoje, para muitos —estupidamente... — uma ópera problemática. Um compositor europeu a criar uma ópera japonesa? Apropriação cultural! No mundo atual, a imaginação morreu. Cada um apenas pode ser aquilo que é. Sim, “Butterfly” representa um encontro falhado de culturas, Ocidente/Oriente. Baseada num conto do americano John Luther Long (inspirado no romance do francês Pierre Loti, “Madame Chrysanthème”, de 1888) que originou a peça teatral do também americano David Belasco, “Madama Butterfly” só pode ser lida como uma crítica severa do imperialismo ocidental. Giacomo Puccini (1858-1924) quis mesmo compor uma ópera “verdadeiramente japonesa”; teve demoradas conversas com a mulher do diplomata japonês em Itália, incluiu melodias populares japonesas (e chinesas) na partitura, e até assistiu às doze representações que a famosa gueixa, atriz e bailarina Sadayakko deu em Milão em 1901! A ópera passou por cinco versões até o compositor se dar como satisfeito. (A estreia no Scala fora um fracasso.) A produção do Met — estreada em 2005 na English National Opera — faz jus à cultura japonesa. Não só é a única encenação operática de Anthony Minghella (dramaturgo e realizador, galardoado com um Óscar por “O Paciente Inglês” em 1996, e prematuramente desaparecido em 2008), como teve a colaboração da sua mulher, a coreógrafa sino-americana Carolyn Choa. A notável paleta cromática (figurinos de Han Feng) é ampliada pela reflexão no espelho inclinado que cobre a cena. À época, a grande novidade era o facto de ‘Dor’ — o filho de três anos de Cio-Cio-San — ser representado por uma marioneta (vestida ‘à marujo’), no estilo do teatro japonês tradicional, Bunraku, manipulada pelos Blind Summit Theatre. (Recentemente, a Ópera de Filadélfia estreou uma nova produção onde a protagonista manobrava a sua própria marioneta — a mulher como ‘boneca’ do marido, B. F. Pinkerton...)
Exclusivo
Música: “Madama Butterfly” na Gulbenkian, este sábado, em direto do Met. Em Nova Iorque vimos a maior Cio-Cio-San de sempre
O crítico do Expresso Jorge Calado assistiu à estreia retumbante de Asmik Grigorian no Met, em Nova Iorque, na protagonista de “Madama Butterfly”. Este sábado, a ópera de Puccini pode ver-se em direto do Met, na Gulbenkian, em Lisboa