Desconcertante. A palavra é a que melhor define a pintora nascida Maria Paula Figueiroa Rego, a 26 de janeiro de 1935, em Lisboa. Desconcertante no trabalho e na vida, quando conversa e quando se cala, quando ri e quando abre os olhos de espanto. Desconcertante na sua duplicidade constante, nos seus universos fechados. Naquele vocabulário de criança, perfeita na sua crueldade e na sua bondade genuínas. Não é fácil compreendê-la, quando até ela se procura ainda em cada quadro que pinta, em cada história a que se apega.
Toco à campainha à hora marcada. Ainda não estou certa que o ateliê é ali. As velhas portas fechadas das quais a tinta se solta com a humidade e o sol que amiúde bate naquela rua calma, pacata e silenciosa de uma Londres abandonada no tempo. Parece que nada se pode passar do lado de dentro, que a porta nem sequer corre. É Lila quem a abre, o braço direito da artista desde há 30 anos, modelo para as suas obras, assessora para todo o serviço de estúdio, amiga, confidente. “A Dona Paula está lá dentro. Pode entrar”, diz-me amável. Entro e o fim do mundo cai-me em cima.
Bonecos de brincar, bonecos de pano de todos os tamanhos com cabeças a baloiçar, feitas de gesso ou de argamassa, cabeleiras de todas as cores, pássaros voadores, ratos, águias, triciclos e carrinhos de rodas, espelhos, candeeiros, manequins de montra de loja, roupa, muita roupa espalhada, amontoada e arrumada num enorme charriot encostado à parede do fundo da segunda sala do ateliê. Um espaço amplo, onde os quadros, os últimos que Paula realizou, ainda permanecem num mostruário que não é mais do que outra parede bem iluminada pela claraboia que faz entrar o cinzento do céu da capital inglesa naquele estúdio sem janelas, comprado “a bom preço” em 1994.