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Que Coisa São as Nuvens

Vida maravilhosa

Diminuir o supérfluo para permitir o esplendor — é uma proposta que serve para construir um poema e para cumprir a aventura que a vida representa

Penso na definição de poesia dada, um dia, por Patrizia Cavalli (uma importante criadora italiana que acaba de nos deixar): “Poesia é tomar a primeira coisa que nos vem às mãos e retirar dela o supérfluo para a fazer resplandecer.” Vale a pena deter-se nos detalhes da operação que esta frase descreve. Certamente é de utilidade para a construção de um poema, mas não só, pois se pode estender a tantas outras dimensões daquilo que vivemos. O primeiro surpreendente aspeto reside no facto de que não temos de nos preocupar demasiado com o ponto de partida: é o “que nos vem às mãos”. Com efeito, um dos motivos da confusão (e, sucessivamente, do sofrimento e da desorientação) que nos assalta é a pretensão de determinar tudo à partida, como se disso dependesse, afinal, a fecundidade do caminho que empreendemos. A maníaca obsessão de selecionar o que pode ou não vir a resplandecer redunda habitualmente num empobrecimento. No fundo, não há pontos de partida ideais. O melhor ponto de partida é o “que nos vem às mãos”, isto é, aquele latente, aquele que concretamente é o nosso, aquele que representa o acessível e ordinário mais do que a rebuscada exceção. Daí devemos partir. Na vida e na poesia o gesto necessário, capaz de desencadear um consistente movimento de futuro, é uma confiança — frágil e difícil que seja, mas uma confiança — investida no real que somos. Descobrindo desse modo que, para quem se dispõe a realizar um itinerário interior, tudo é oportunidade, tudo se pode tornar possibilidade de caminho.

Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.