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A Revista do Expresso

Utopias que criaram distopias, por Francisco Louçã

H. G. Wells e Aldous Huxley escreveram sobre um progresso que prometia semideuses, mas que nos impôs castas genéticas, amores impossíveis e poder maquinal

SONHO “Jardim das Delícias Terrenas”, de Hieronymus Bosch, 1510-1515
Photo12/Universal Images Group via Getty Images

Desde o sucesso da publicação de “Utopia” (1516), de Thomas More, graças aos cuidados do seu amigo Erasmo, dito de Roterdão, o tema da sociedade perfeita ocupou muita da literatura europeia. Aí ressoavam entoações de temas bíblicos sobre a vida edénica, como as que Bosch tinha pintado no seu “Jardim das Delícias Terrenas” poucos anos antes, mas More transformou-as num programa político. Ao longo dos séculos imediatos, as utopias constituíram monumentos da esperança, com Campanella, Bacon e Fénelon no século XVII, Rousseau, Morelly e Mably no século XVIII e, sobretudo, os escritores das décadas posteriores à Revolução Francesa, Owen, Saint-Simon, Fourier, Cabet e Flora Tristan, em França, e Bellamy e Morris, em Inglaterra, alguns dos quais passaram das suas teorias à organização social, mesmo que com desilusões pesadas. Depois deste auge, o impulso utópico desvaneceu-se e a distopia tornou-se dominante nesta literatura.

O que procuro de seguida é apontar um dos processos que no século XX reforçou a substituição dessa crítica social pela distopia, ou como se passou da glória utópica para a imaginação do controlo por forças esmagadoras nunca antes concebidas. A forma dessa passagem foi a deslocação do centro do pensamento utópico do ser humano para o poder da máquina e o arauto desse movimento foi um famoso escritor britânico, H. G. Wells. Aldous Huxley, que escreveu “Admirável Mundo Novo” para parodiar Wells, prolongou o seu dúplice temor e fascínio pela tecnologia do futuro — e aí se perderam ambos.

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