Apesar do “sentimento de incerteza” face à conjuntura mundial, como a guerra na Ucrânia, e “o efeito inflacionista que todos sentimos”, Nuno Fazenda, secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços, assegurou, na entrega do Prémio Nacional de Turismo 2023, que “muito provavelmente este é o melhor ano de sempre da história do turismo”, com “um aumento de mais de 37% em receitas face ao ano de 2019”. Como que confirmando a força do sector turístico, em 2023 o Prémio Nacional de Turismo (PNT) bateu o recorde de candidaturas. A sustentabilidade foi o grande tema na cerimónia da quinta edição do PNT, que decorreu recentemente no Forte da Cresmina, no Guincho, e distinguiu sete projetos em cinco categorias. Neste contexto, Leonor Picão, em nome do Turismo de Portugal, realçou a importância das “questões ambientais e sociais, que devem estar compaginadas com a questão económica”.

O Razão Restaurante é um desses exemplos. Vencedor na categoria de Turismo Gastronómico, tem como lema “da horta para o prato”. Instalado no hotel Socalco Nature Calheta, na ilha da Madeira, o menu servido é elaborado e confecionado “em função do que estamos a produzir”, assegura Octávio Freitas, proprietário e chefe. O projeto também apostou na permacultura, que favorece a economia local através de um compromisso social sustentável, bem como na empregabilidade de mulheres com mais de 60 anos.

Combate ao desperdício

Disseminar a integração na sociedade é o objetivo do Único, espaço de restauração do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, resultante de uma ação conjunta entre o restaurante Este Oeste e a Academia Semear. Galardoado na categoria de Turismo Inclusivo, desempenha “um papel fundamental no sector da restauração, que permite ajudar pessoas com dificuldades intelectuais e de desenvolvimento a tornarem-se cidadãos autónomos”, explicou Gonçalo Salgado, sócio e fundador do grupo SushiCafé, que integra a iniciativa. “O que estamos a fazer é empregar pessoas que vão semear noutros restaurantes” a valorização e a independência, bem como o foco na sazonalidade das matérias-primas, o combate ao desperdício alimentar e a aposta na economia circular.

A interação com a comunidade local também é visível no reforço da economia de Idanha-a-Nova graças ao Boom Festival 2022. Distinguido na categoria de Turismo Sustentável, este evento aposta na inovação e cria­tividade em nome do respeito pelo meio ambiente. Mariana Macedo, uma das administradoras e copartner, garante que “muitos dos sistemas que implementamos são inovadores em Portugal”. Como exemplo refere as casas de banho de compostagem, sem recurso a água, integradas desde 2006, “quando ainda não existia este sistema no país”. Torneiras com temporizador e redutor de caudal e chuveiros com utilização limitada, entre outras ações, comprovam o respeito pelo meio ambiente. Na quinta edição do PNT, uma iniciativa do Expresso e do BPI, foi ainda distinguido ex aequo, na categoria de Turismo Sustentável, o projeto AQUA+Hotéis “Água na medida certa”. A iniciativa tem como finalidade certificar e classificar a eficiência hídrica em em­preendimentos turísticos e Alojamentos Locais, a exemplo do que é feito com a energia. São avalia­dos o uso de energias renováveis, o aproveitamento de águas pluviais e a gestão de resíduos, entre outras boas práticas hídricas.

Inovação e recuperação

Realizado anualmente, em maio, na ilha do Faial, o Ultra Blue Island by Azores Trail Run venceu a corrida ao prémio Turismo Inovador. Utilização de sistemas avançados de cronometragem e localização por GPS, fornecendo atualizações da corrida em tempo real, destacam-se na iniciativa, que também “recuperou caminhos antigos, que já não se usavam, e que passaram a ter valor económico”, explica Mário Leal, coordenador do projeto. Ao longo da prova, os participantes podem conhecer vários vulcões e o grande património baleei­ro, entretanto recuperado, e até nos pontos de abastecimento estão disponíveis produtos locais e regionais.

O Montebelo Mosteiro Alcobaça Historic Hotel, instalado no Claustro do Rachadouro do Mosteiro de Alcobaça, ganhou na categoria de Turismo Autêntico. “Tínhamos de garantir a preservação e a autenticidade do espaço com o conforto de uma unidade hoteleira no segmento de luxo”, dentro de um monumento classificado como Património Mun­dial da UNESCO, justifica Jorge Costa, administrador da Visabeira Turismo. Foi também premiado o evento AgitÁgueda Art Festival, que aposta na valorização do que é local através de uma mostra cultural e patrimonial com forte preocupação ambiental.

Luís Araújo
Vencedor do prémio Personalidade do Ano

“É preciso dignificar a mão de obra qualificada”

Luís Araújo foi presidente do Turismo de Portugal entre fevereiro de 2016 e junho deste ano, desempenho reconhecido com o prémio Personalidade do Ano, atribuído pela primeira vez pelo PNT.

Quais os principais desafios para o turismo em Portugal?

Olho para os desafios de uma forma coletiva e não especificamente para Portugal. Temos uma oferta que se tem sabido adaptar às tendências, à sustentabilidade, à autenticidade, mas há desafios que tocam todo o mundo e este sector de um modo muito particular: mobilidade, relação entre o turista e os locais e a carreira, que no turismo deve ser entendida como futuro e de longo curso.

O tão falado novo aeroporto pode vir a ser a solução de futuro no âmbito da mobilidade?

A minha preocupação é de que maneira nos adaptamos aos condicionalismos e a infraestruturas como o novo aeroporto. Não é só para continuarmos a crescer, mas também para criar condições para que esse crescimento se faça. Não limito esta questão ao facto de termos ou não um novo aeroporto ou termos ou não comboio. É muito mais do que isso. As companhias aéreas, por exemplo, estão a fazer um grande esforço para se adaptarem à utilização de combustíveis fósseis mais amigos do ambiente.

Cidades como Lisboa e Porto estão já saturadas de turistas ou ainda há margem para crescer?

As cidades adaptam-se e o turismo trouxe a renovação que presenciámos nestes últimos anos. Precisamos de avaliar o que é feito, e esta componente tem de ser feita tanto do lado público, como do lado privado. Fico muito feliz por ver muito mais empresas, principalmente do lado do turismo, a abrirem iniciativas de sustentabilidade e de responsabilidade social e para com o planeta. Não é só trocar a garrafa de plástico pela garrafa de vidro que nos faz ser sustentáveis. Nesta vertente tem de existir um compromisso de quem constrói hotéis ou remodela edifícios.

Sem comprometer a qualidade do serviço, como se resolve a falta de recursos humanos qualificados no sector?

Se o turismo, ao longo dos anos, tem tido este estigma de ser uma atividade que não precisa de formação ou de grande capacidade técnica para ser exercido, a verdade é que não é assim. Passa também pelos empresários e por todos os que trabalham no sector dignificar a mão de obra qualificada. Não é só uma questão de salários, é também de formação, que tem de ser dirigida numa ótica de benefício para as empresas e, simultaneamente, de crescimento das pessoas. É necessário criar planos de carreira e condições para que as pessoas tenham uma maior coordenação entre a vida privada e a profissional. Temos de ser ainda mais inclusivos na atividade turística, abrangendo pessoas de outras nacionalidades e com outras opções de vida.

Prémio Nacional de Turismo

O Expresso e o BPI, em parceria com o Turismo de Portugal e a Deloitte, organizaram pelo quinto ano consecutivo o Prémio Nacional de Turismo (PNT), uma iniciativa para promover, incentivar e distinguir as melhores empresas, práticas e projetos do sector.

Textos originalmente publicados no Expresso de 8 de dezembro de 2023