Quando, finalmente, conseguiu enxugar as lágrimas, Ghalia Taki espreitou pela janela e viu o futuro do filho de oito anos, adormecido em cima de uma mochila pousada no chão, à sua espera no exterior do Espaço Equiparado a Centro de Instalação Temporária (ECIT) do Aeroporto de Lisboa. Corria o ano de 2014 e a mulher, natural de Damasco, na Síria, aterrara horas antes na capital portuguesa para uma escala que viria a mudar o curso da sua vida. Naquele momento, estava há 13 horas numa sala vazia, sem comida, bebida ou um intérprete, quando deveria estar a chegar à sua nova casa, na Suécia, país escolhido para ser a sua nova casa depois de tentar, sem sucesso, pedir vistos para a Alemanha, Canadá e Austrália.
Numa altura em que a guerra na Síria se desenrolava há três anos e meio e um passaporte daquele país fechava mais portas do que as que abria, Ghalia, o marido, o filho e a mãe viram-se obrigados a recorrer a um traficante para arriscar um recomeço na Europa. “Ele tinha uma lista de nacionalidades para nós escolhermos”, relata em conversa com o Expresso. Desembolsaram 35 mil euros para se tornarem gregos e compraram os voos para a Suécia, com paragem em Portugal, na TAP, companhia aérea que, segundo lhe haviam dito, “tinha o controlo de terra menos exigente”.
Contudo, acabou por ser, precisamente, a verificação de documentos no aeroporto de Lisboa que lhe trocou os planos. Ghalia e o filho conseguiram passar pela segurança, mas a mãe, então com 70 anos, e o marido, ficaram do lado de lá. Confrontados com as irregularidades na sua documentação, confessaram que eram sírios e que procuravam abrigo no continente europeu. Os passaportes verdadeiros foram-lhes retirados e foram levados para a divisão desprovida de mobília.
“Informaram-nos que não sabiam falar inglês, mas disseram logo, em inglês, ‘vocês cometeram um crime e têm de pagar as consequências’”, reproduz Ghalia, que se apressou a reforçar que fugira de um país em guerra e teve apenas como resposta os olhares desorientados dos agentes. “Eles não sabiam onde é que era a Síria”, descreve, recordando o choque sentido na altura. “Eu não queria falar com ninguém e só pedia para voltar ao Gana [para onde a família fora anteriormente].”
Entretanto, uma funcionária da Europol, que queria obter informações sobre o traficante, acalmou Ghalia – chamava-se Maria e, ainda hoje, ela acredita que era “um anjo enviado por Deus” para chamá-la à razão –, e pediu-lhe que pensasse no rol de possibilidades do outro lado da janela. A síria aceitou voltar a falar com as autoridades, que continuaram sem conseguir comunicar-se com a família. Limitaram-se a dar-lhes papéis para assinar sem lhes dizerem de que se tratava – apenas deram a entender que lhes permitiria sair dali. Então, Ghalia e a família seguiram uma agente durante o que lhes pareceu uma eternidade e, finalmente, chegaram a um espaço que vieram a descobrir ser o centro de detenção do aeroporto. Tinham pedido asilo a Portugal sem saber e, uma vez ali, ordenaram-lhes que entregassem tudo o que tinham. Nem as bolachas do filho escaparam. “Ainda hoje ele me diz: Quem é que leva uma bomba dentro de uma bolacha?”, ironiza.