Como exemplo disso, Marcelo Rebelo de Sousa utilizou os oito anos de trabalho ao lado de António Costa, dos quais guarda uma “boa recordação”. “Houve nestes oito anos, além de uma relação pessoal antiga sempre boa, uma relação institucional sempre boa, mesmo com divergências políticas”, disse. Apesar destas “divergências”, o Presidente destacou a forma como se respeitou a “vontade dos portugueses” nas urnas e se colocou o país em primeiro lugar. “Cada um pensava o que pensava, mas procurava compromissos. Se não houvesse este esforço de compromisso, haveria desafios impossíveis de vencer”, continuou o Presidente referindo-se a alturas difíceis para o país como os anos de pandemia.
Depois de muitos elogios mútuos (com mais ou menos ironia), Costa disse mesmo que acredita que os portugueses vão recordar esta dupla como “um dos melhores períodos de relacionamento entre órgãos de soberania” da história. Marcelo, mais velho e mais experiente, saberá melhor, mas Costa “duvida” de que por mais que procure na memória não haverá igual - sobretudo sendo ambos de “famílias políticas diversas”.
Perto do fim do discurso – que admitiu ser “longo e enfadonho” por ter atravessado os oito anos de coabitação com Costa –, o chefe de Estado disse que “estava convencido” de que o primeiro-ministro iria manter funções “durante mais um tempo”, mas não até ao fim da legislatura. Segundo a “fórmula” do presidente da República, António Costa ficaria mais “um ano e dez meses”, ou seja, até à data das eleições autárquicas, altura em que iriam “aparecer na cena política um conjunto de candidatos à sua sucessão”.
Costa deseja que mandato de Marcelo vá até ao fim e com popularidade intacta
Antes de Marcelo, já António Costa tinha, com alguma ironia, deixado votos para que o Presidente da República viesse a cumprir o mandato até ao fim - e com a popularidade mais ou menos intacta. “Desejo que haja muitas venturas e poucas desventuras, e que o seu mandato continue a correr até ao fim, da forma como os portugueses tão bem apreciaram no seu primeiro mandato e têm também apreciado no segundo. Só posso desejar que corra bem do ponto de vista pessoal, para si, e para nós enquanto país”, disse.
Na cabeça de todos está o cenário de instabilidade que se avizinha no próximo ciclo político, e o poder que Marcelo terá na definição do novo xadrez. António Costa, e a generalidade dos socialistas, tem deixado sempre no ar a ideia de que a responsabilidade da dissolução da Assembleia da República e da convocação de eleições é de Marcelo, e não do primeiro-ministro que se demitiu. Sacudindo essa responsabilidade de si próprio, e ciente de que ela vai recair sobre o Presidente da República, Costa mostrou-se disponível para conversar com Marcelo - “por telefone ou pessoalmente” -, se, durante esse período conturbado, precisar de “um suplemento de otimismo” caso a fé católica do Presidente não seja suficiente.
Ainda assim, Costa garantiu que não irá “imitar” outros ex-primeiros-ministros, não referindo quais, sugerindo que não irá fazer sombra a quem vier a seguir. Ainda esta semana, Pedro Passos Coelho reapareceu a deixar duros recados a António Costa ("saiu por indecente e má figura"), e Cavaco Silva foi a estrela do congresso do PSD no mês passado.
“Entre nós, temos uma diferença profunda que não conseguimos ultrapassar - e bem se esforçou, mas não me conseguiu conquistar para o privilégio da fé. Mas quem não o tem, tem de ter uma dose suplementar de confiança para enfrentar as desventuras. Uma coisa posso-lhe assegurar: eu, como ex-PM, não imitarei os que também não imitei como PM, mas poderá sempre contar com toda a minha disponibilidade, ao telefone ou pessoalmente, para acrescentar um suplemento de otimismo quando a fé não lhe for suficiente”, disse.
No final, e na despedida depois de oito anos de coabitação, Costa desejou a Marcelo um “ótimo ano de 2024”, assim como um “ótimo ano de 2025”, e, por fim, uma referência ao ano de 2026 - ano em que Marcelo termina o mandato e em que há eleições para a Presidência da República. “Em 2026, cá nos reencontramos”, disse, obrigando-se depois a explicar a referência. O reencontro será do lado de fora da política, e não dentro. “Há mais vida para além da Presidência da República”, disse, entre risos. E há mais vida para além da política?