Política

MAI rejeita responsabilidades no caso de Setúbal. Chefe do Sistema de Segurança Interna diz que “nível de segurança funcionou sempre”

Em audição parlamentar, o ministro da Administração Interna recusou responsabilidade no caso do acolhimento de refugiados em Setúbal e adiantou que este já foi entregue aos organismos competentes. Já o chefe do Sistema de Segurança Interna passou implicitamente a bola para o Governo. E embora tenha apelado a que não se façam generalizações, foi taxativo: se houve “uso indevido de dados” e se este tiver passado para “uma embaixada de um país terceiro”, estamos perante “um caso de espionagem”

Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, Paulo Vizeu Pinheiro
MÁRIO CRUZ

O secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) assegurou que “o nível de segurança interna funcionou sempre”. Mais: “a informação que tinha de circular circulou”, garantiu Paulo Vizeu Pinheiro. E se os dados de refugiados ucranianos acolhidos em Portugal tiverem sido partilhados com “uma embaixada de um país terceiro”, “as entidades que têm de conhecer teriam conhecimento” - leia-se nomeadamente o Governo.

Em audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, descreveu esta quarta-feira o acolhimento de refugiados em Portugal como “exemplar”. Na audição parlamentar requerida pelo PSD, Paulo Vizeu Pinheiro colocou e respondeu à própria pergunta relativamente a possíveis melhorias na sequência do caso de receção de refugiados ucranianos por associações próximas do Kremlin na autarquia de Setúbal. “Pode ter melhorias? Pode”, declarou, assegurando, de caminho, que “todas as informações circulam no Sistema [de Segurança Interna] - no respeito pelo segredo de Estado”.

Quanto à matéria de facto - e questionado pelos sociais-democratas sobre se “o sistema tinha conhecimento dos factos vindos a público” -, o responsável escudou-se precisamente no segredo de Estado: “Os sistemas estão montados e a informação circula, mas não me posso pronunciar sobre relatórios virtuais ou potenciais do sistema de informações. O que posso garantir é que o mecanismo está a funcionar. Não há falta de informação.” E detalhou que o secretário-geral, ou seja, ele próprio “entra quando o caso envolve mais do que uma força de segurança”.

No entanto, o secretário-geral do SSI não tem “intervenção direta no processo de acolhimento”, a não ser que haja “ameaças ou riscos para a ordem e a tranquilidade pública”, atalhou, em resposta ao PS. No caso de circular informação sobre “perturbações graves”, então o secretário-geral terá de “intervir” e “verificar” com a PSP, a GNR ou o Serviço de Informações de Segurança.

Para Vizeu Pinheiro, não destacar pessoas de um país invasor para receberem refugiados vindos de um país invadido é “uma questão de bom senso”. O Chega perguntou-lhe se tinha conhecimento da proximidade entre Igor Kashin, o russo que colaborava no acolhimento de refugiados na Câmara de Setúbal, e o Kremlin, tendo o secretário-geral do SSI respondido - sem responder: “Temos de preservar o processo com cuidado redobrado.”

Da parte da Iniciativa Liberal, uma perplexidade: os deputados estão a sair destas audições com “mais dúvidas” do que as que tinham quando entraram, razão pela qual, apontou o partido, as audições estão a ter “o efeito contrário ao pretendido”. Ainda em resposta aos liberais, o secretário-geral do SSI disse não ter “funções executivas” nem ser “super polícia”.

Acima de tudo, Vizeu Pinheiro aconselhou a que não se façam generalizações do caso de Setúbal, que classificou como “bastante singular”, estando “a ser investigado por quem tem de investigar”. “Não faria generalização de Setúbal, mas a César o que é de César”, concretizou.

Em resposta ao Bloco de Esquerda, acabaria por afirmar que o primeiro-ministro teria sido informado se os dados de refugiados ucranianos tivessem sido partilhados com terceiros. “Estando os mecanismos a funcionar, as entidades que têm de conhecer teriam conhecimento”, assegurou. No caso de ter havido “uso indevido de dados” e de este ter passado para “uma embaixada de um país terceiro”, estaremos perante “um caso de espionagem”, assumiu.

Escolhido por António Costa, Vizeu Pinheiro tomou posse como secretário-geral do SSI no ano passado, tendo, antes disso, sido embaixador na Rússia e dirigido as secretas.

MAI remete para CNPD e Inspeção-Geral das Finanças

Na segunda audição do dia sobre a receção de refugiados ucranianos na Câmara de Setúbal, o ministro da Administração Interna (MAI) rejeitou desde logo responsabilidades no caso: “Não tem nada a ver com o âmbito das competências do MAI, não é das suas atribuições”, declarou José Luís Carneiro, apontando para a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e para a Inspeção-Geral das Finanças (IGF).

“Procurei olhar para o requerimento do Chega e não encontrei nele âmbito que tivesse que ver com a competência do MAI”, começou por afirmar o ministro. Apesar da disponibilidade manifestada para prestar esclarecimentos na 1ª comissão parlamentar, José Luís Carneiro explicou que deu a mesma justificação à autarquia de Setúbal, após ter pedido na sexta-feira ao MAI para avançar com uma inspeção aos procedimentos da Câmara no âmbito do acolhimento dos refugiados, na sequência da notícia do Expresso.

Embora não seja “competência” do MAI, o ministro garantiu ter procurado junto das entidades responsáveis dar o “apoio indispensável” para a fiscalização da autarquia sadina. E agora diz ainda que o caso está a ser investigado pelos organismos competentes. “Há pelo menos três instituições a atuar: a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD), a Inspeção-Geral das Finanças (IGF) e a Polícia Judiciária (PJ), no cumprimento adequado daquilo que são os deveres do Estado de Direito”, acrescentou.

Garantindo que o MAI não foi informado pelos serviços de informações sobre o caso de Setúbal, o governante frisou que só tem de receber informações sobre “segurança” e “ordem pública”.

Sobre a audição anterior, ao secretário-geral do SSI, José Luís Carneiro fez a sua própria leitura das declarações de Paulo Vizeu Pinheiro, considerando que o sistema de segurança interna “funciona”, ainda que “naturalmente detete falhas”.

Questionado pelo Chega sobre o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), o governante assegurou que tem “funcionado bem”, mas sublinhou que o serviço de segurança no âmbito do acolhimento de refugiados ucranianos tem-se limitado a consultar a base de dados comum aos países que integram o Espaço Schengen e a base de dados no quadro da proteção temporária aos refugiados, com acesso automático aos números de Identificação Fiscal, de Segurança Social e do Serviço Nacional de Saúde. “O SEF garante segurança na sua base de dados. Só pessoas acreditadas é que podem aceder”, afiançou ainda.

José Luís Carneiro admitiu, contudo, que será necessário reforçar a formação e sensibilização na Administração Local sobre Direitos Humanos. E deu o exemplo do MAI, em resposta ao deputado Rui Tavares, do Livre: “Concordo com a sua proposta. Nas forças de segurança temos já essa prática, com os nossos agentes da PSP e da GNR de alertar para a sensibilidade especial para os Direitos Humanos”, vincou.

A audição do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP) – requerida pelo PSD –, está a decorrer agora no Parlamento, à porta fechada.