Política

Setúbal: “Inaceitável”, “uma irresponsabilidade” ou “excesso de voluntarismo”, diz Ana Catarina Mendes no Parlamento

Ministra Adjunta, ouvida pelos deputados sobre o caso de Setúbal, começou por dizer que se "baixou ou terá baixado os níveis de alerta para questões de privacidade.” Mas não justificou os €126 mil pagos em subsídios à associação Edintsvo. Bloco diz que imagem do país ficou "enlameada".

MÁRIO CRUZ/LUSA

"Inaceitável", "uma irresponsabilidade" ou "excesso de voluntarismo". Foi assim que Ana Catarina Mendes, a ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares com a tutela das Migrações, descreveu o que pensa sobre o sucedido em Setúbal com o acolhimento de refugiados ucranianos por cidadãos russos: “Lamento pela situação que considero inaceitável, seja por irresponsabilidade ou por excesso de voluntarismo, que baixou ou terá baixado os níveis de alerta para questões de privacidade o que não podia acontecer em matéria de acolhimento de refugiados”, afirmou a governante perante os deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, ao fim da tarde desta terça-feira.

Ana Catarina Mendes, no entanto, não conseguiu explicar os subsídios no valor de €126 mil euros, noticiados pelo "Público", pagos à associação Edintsvo, que está no centro da polémica de Setúbal.

A ministra começou por dizer que, em “Portugal, desde há muitos anos, tem feito um caminho de boas práticas de acolhimento.” E também afirmou que, “a confirmarem-se as notícias que tem vindo a público, Setúbal é um caso isolado".

Do ponto de vista de Ana Catarina Mendes, tudo "tem de ser investigado." Por isso, afirmou, "o ministro da Administração Interna pediu que a Comissão Nacional de Proteção de Dados faça uma inquérito para perceber o que aconteceu com os dados pessoais que, dizem as notícias, possam ter sido tratados.”

Antes mesmo das primeiras denúncias - com a entrevista da embaixadora da Ucrânia -, o Governo limitou-se a mudar o site onde estavam as informações sobre as associações de apoio aos refugiados, que passou do Alto Comissariado para a lista de organizações reconhecidas pela própria embaixada: “A 25 de março, na sequência de uma conversa com a senhora embaixadora e a tutela foram dadas indicações ao ACM para que tivesse atenção especial porque este é um momento de conflito aberto, foram dadas instruções para que os procedimentos fossem mudados.” Mas isso não mudou a situação em Setúbal.

A ministra, que é eleita pelo círculo do distrito de Setúbal e que foi candidata à Assembleia Municipal daquela autarquia, disse “não haver certeza que [os dados] tenham sido enviados para alguma entidade externa. Ainda assim, havendo a suspeita, tem de haver uma investigação e resposta a esta matéria”, admitiu. E repetiu o que a alta comissária para as migrações já tinha afirmado na audição anterior: “O Alto Comissariado das Migrações (ACM) e a CM de Setúbal não tem nenhum protocolo assinado.” Quase a terminar a audição, a ministra ainda reconheceu que há várias câmaras que não têm protocolos com o ACM, mas disse que a Câmara de Setúbal recusou participar numa reunião promovida por aquela entidade e recusou explicitamente fazer um protocolo.

“O ACM estabelece protocolos com várias instituições, desde logo instituições de solidariedade social, com autarquias e várias organizações e associações de migrantes. Todos estes protocolos se pautam pelos valore que partilhamos no quadro legislativo das instituições europeias. É por isso mesmo que Portugal é referido como exemplo”, invocou a ministra. Mas na audição anterior, a alta comissária Sandra Pereira, também tinha dito o seguinte aos deputados: "Se essas pessoas têm ligações pró-Putin, é algo que não está no mandato do ACM avaliar."

Questionada pelo deputado do Chega sobre o valor de €126 mil euros de subsídios à Edintsvo, noticiado pelo "Público", Ana Catarina Mendes não respondeu na primeira ronda. Na segunda ronda, pouco acrescentou. "Não sei se não devia ter recebido", disse, escudando-se na aplicação da lei para aferir se as verbas foram ou não bem entregues.

Algumas das palavras mais fortes foram ditas pelo Bloco de Esquerda. O deputado Pedro Filipe Soares lembrou que o presidente da câmara de Setúbal reconheceu que o caso "enlameou" a cidade, mas para o bloquista este "corre o risco de enlamear a imagem do país": "Sabe-se que em Portugal são pessoas pró-Putin que estão a receber refugiados. Portugal está a ser enlameado", afirmou, para perguntar se "também houve excesso de voluntarismo pelo Estado?", quando a Edintsvo recebeu €126 do Estado.

Rui Tavares, do Livre, havia de criticar, a não integração dos serviços de informações na task force do Estado para coordenar a receção dos migrantes, e acusou o Governo de ... falta de imaginação: "O SIS não vai dar uma palmadinha ao presidente de uma câmara e dizer: 'Olha, tens aí um alegado espião russo..." O deputado único do Livre ainda disse que o Estado "foi ingénuo e não foi só uma autarquia", e diz que "há falta e imaginação, porque o Estado devia prever isto", tendo em conta a situação geopolítica.

"Estamos preocupados com estes níveis de alerta", disse Rodrigo Saraiva, ao lembrar que o PS chumbou a audição da secretária-geral do SIRP. Se "o Expresso noticiou que o SIS estava a monitorizar" a associação, o líder parlamentar da IL perguntou se receberam informação sobre "este casal russo".

Ao fim de quase duas horas, a audição terminou com vários partidos, da IL ao PCP, a pedirem a palavra só para acentuar que a ministra não tinha dado resposta às suas perguntas.