Política

Moedas promete respeitar o passado, exige negociação e mostra primeiras propostas (e o estado-maior da direita foi lá ouvir)

Uma cerimónia de posse pode marcar "novos tempos"? Carlos Moedas aposta que sim e já começou o seu primeiro discurso como presidente da câmara de Lisboa. A primeira palavra foi de elogio a Medina, com promessa de respeitar o legado. Mas houve promessas: baixar impostos, transportes públicos gratuitos, seguro de saúde para quem não tem apoio, uma auditoria ao urbanismo - e uma exigência à oposição, em jeito de "deixem-me trabalhar". Paulo Rangel, já candidato, foi ouvir, Rui Rio também - deixando para breve o anúncio da sua própria decisão

Tiago Miranda

Dia 1 para Carlos Moedas: o novo presidente da Câmara Municipal de Lisboa começou a tomada de posse a enaltecer os "rituais", ao caso o "ritual de passagem de testemunho", o de "transição pacífica de poder", o de "alternância democrática".

O início do discurso serviu para anotar o elogio implícito a Medina, pela forma como entregou a chave e os dossiês da câmara, mas também a prometer respeitar o que os antecessores lhe deixam: lembrou Aquilino Ribeiro Machado e Krus Abecassis, também Jorge Sampaio, ainda João Soares, Pedro Santana Lopes e Carmona Rodrigues e - por fim - um elogio aos socialistas que (até aqui) tantas derrotas tinham imposto ao PSD, "António Costa e Fernando Medina". Moedas não falou de derrotas e vitórias, quis acentuar o "sentido de comunidade e pertença comum": "Hoje assinalamos um passado que tem que ser honrado e respeitado. Mas também antecipamos um futuro no qual chegará o dia em que – também nós – passaremos o testemunho."

Falando na necessidade de manter harmonia entre “comunidade”, “espaço” e “as regras”, Moedas pôs o foco no primeiro eixo: “Lisboa tem que ser uma casa que todos sintam como sua”. E prometeu seguir

Elinor Ostrom, a primeira mulher a ganhar o Prémio Nobel de Economia, nos seus Novos Tempos: “Se os políticos confiarem mais e envolverem mais os cidadãos, serão surpreendidos pela capacidade da comunidade em cuidar e preservar o seu espaço comum.”

Ouvir foi, assim, a sua primeira promessa: “As populações não podem ser tratadas como entes abstratos, ouvidos apenas de 4 em 4 anos (…). Será essa a minha marca. Será esse o meu grande princípio orientador: em cada dia que entrar nesta Casa. Em cada conversa que tiver com um munícipe. Em cada decisão que tomar”.

Menos impostos, auditoria ao urbanismo, redesenhar ciclovias

Falando em decisões, Moedas diz que a sua “primeira obrigação” será “ajudar os Lisboetas, os comerciantes locais, as empresas, a recuperar o mais rapidamente possível”. Anunciou, por isso, um novo programa “Recuperar+”, assim como “outras iniciativas de resposta imediata e sem burocracia. Mas vincou “propostas de redução de impostos, que darão maior liquidez às famílias”.

“Vejo a redução de impostos municipais como progressiva e regular até criar uma linha constante: Lisboa cidade fiscalmente amigável”, disse o novo presidente da Câmara de Lisboa, argumentando que quer “libertar recursos para que seja cada Lisboeta a decidir o que quer fazer com esses recursos.”

Entre as propostas do novo edil de Lisboa, houve modernidade: a criação de “ecossistemas como a Fábrica de Unicórnios ou o Centro Mundial para a Economia do Mar”. Mas também um vetor social: o seu “plano de acesso à saúde para os lisboetas com mais de 65 anos, que são carenciados e que hoje, em muitos casos, não têm médico de família”; também "várias iniciativas para apoiar as pessoas em situação de sem-abrigo”; o reforço da "rede de cuidadores informais”; assim como o envolvimento das juntas e do terceiro setor no apoio a quem tenha “doenças crónicas e irreversíveis”. “Gostava que Lisboa fosse conhecida como: A cidade que cuida. Que cuida de quem precisa”, disse Carlos Moedas.

No urbanismo, tema muito discutido na campanha depois de suspeitas de corrupção envolvendo ex-vereadores de Fernando Medina, o autarca deixou o aviso de pedir uma auditoria, mas não a colocou como persecutória: “O meu dever é auditar para melhorar e é isso que farei.” Será, de todo o modo, uma tensão para os primeiros meses na Câmara de Lisboa.

Quanto à habitação, a palavra de ordem é “reconverter para habitar”, sobretudo para "ajudar os jovens na compra da sua primeira casa”. Mas também há uma ordem interna: uma Câmara “mais exigente nos prazos e na qualidade do licenciamento urbano e comercial” - nomeadamente como “um choque de gestão no licenciamento”, permitindo aos lisboetas saber em que estado está cada projeto (“Se formos abertos e transparentes expomos as nossas feridas, é certo, mas essa é a única maneira de as curar”).

O plano para a mobilidade apresentado esta segunda-feira, passa por "diminuir os tempos de espera”, "tornar o estacionamento mais acessível”, “redesenhar a rede de ciclovias” - “de uma forma que seja segura e equilibrada”. Mas ainda “tornar os transportes gratuitos para os mais novos, para induzir novos hábitos, e para os mais idosos, que tanto precisam”.

Nos Novos Tempos há, ainda, a palavra “segurança”. Começando por “policiamento de proximidade e pela valorização das nossas forças policiais”.

O “deixem-me trabalhar de Moedas”

Neste seu primeiro discurso, Carlos Moedas confirmou que assumirá o o pelouro da transição energética e alterações climáticas, prometendo fazer a transição em Lisboa com os cidadãos.

A mesma intenção agregadora seguiu para a Cultura: “Recuso falsas dicotomias e falsas escolhas: Entre cultura popular e erudita, entre o passado e a contemporaneidade, entre a defesa do património e as novas criações. O nosso projeto cultural será abrangente, sem tribos nem facções.”

Depois, Moedas deixou uma palavra para a oposição: “Cada um dos vereadores tem legitimidade democrática própria (…). Da minha parte, tenho a obrigação de respeitar essa legitimidade de cada um. Mas ao mesmo tempo, tenho o direito de exigir que seja respeitada a legitimidade específica do nosso mandato executivo."

A mensagem é de que todos terão de ceder: “Trabalharei de forma incansável para gerar consensos. Não contrariarei princípios fundamentais do nosso programa, pois tal seria defraudar a confiança que depositaram em nós. Posso e sei fazer compromissos onde todos cedem um pouco para o bem geral.Precisamos de uma vez por todas acabar com a política de fricção.”

Assim, Moedas, espera ter da oposição o espírito construtivo que diz ter encontrado em Medina. Não só na Câmara, mas também com o Governo: "Estou também confiante na cooperação entre o Município e o Governo da República. No respeito das competências e diferenças próprias, estou certo que conseguiremos colaborar em prol de Lisboa e de Portugal”.

A fechar, deixou um “obrigado” e um incentivo a todos os funcionários da Câmara. E uma promessa pessoal”: “Não serei um presidente de gabinete. "Vamos ao trabalho”.

Um ambiente de "novos tempos"

Ao lado de Moedas está meio PSD: Rui Rio foi lá e falou em dia de "festa", adiando para breve o anúncio da sua decisão sobre uma recandidatura à liderança ("não vão demorar muito a saberem"), Paulo Rangel foi dar um abraço a "um amigo", garantindo que foi "talvez dos poucos" que acreditaram na vitória de Moedas "até ao fim" e que quis marcar presença como “grande apoiante dos novos tempos”.

Em Lisboa, na Câmara, está também Luís Montenegro, que ficou minutos a fio a falar com Rangel. O apoio não é formal, mas é já evidente: Montenegro aproveitou estar ao lado de um vencedor, Moedas, para impulsionar outro social-democrata: "é uma oportunidade de lançar o próximo ciclo político que tem eleições legislativas”, disse.

Mas houve mais direita por lá: Cavaco Silva, Pedro Passos Coelho, Paulo Portas, Pedro Santana Lopes, Luís Marques Mendes ou Francisco Pinto Balsemão, por exemplo, que elogiou os tempos de agitação do partido: “O meu partido está sempre em mutação. Não está sossegado, mas isso também é bom. Partidos que adormecem não duram muito tempo”. E Francisco Rodrigues dos Santos, que se sentou ao lado de Rui Rio e que, antes, lembrou como os seus críticos tinham manifestado reservas sobre a coligação PSD/CDS de Lisboa.

Na plateia estavam também autarcas, de Rui Moreira a Isaltino, passando pelos outros dois autarcas do PSD da grande Lisboa: de Cascais e Mafra.