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Neste tempo em que vivemos de distanciamento físico, de alteração de hábitos, e de um mundo cada vez mais digital e intangível revela-se mais urgente do que nunca recuperarmos os nossos rituais.
É isso mesmo que hoje nos reúne aqui:
Um ritual estabelecido desde tempos imemoriais.
Um ritual de passagem de testemunho.
De transição pacífica de poder.
De alternância democrática.
A modernidade faz por vezes o erro de desmerecer os rituais.
De os tratar como algo do passado, anacrónico e bafiento.
Saint-Exupéry dizia que:
“os nossos rituais estão para o Tempo como a nossa casa está para o Espaço.”
O Ritual é um porto de abrigo que nos ajuda:
A unir o passado ao presente e ao futuro.
A ligar as gerações passadas com as gerações futuras.
A criar um sentido de comunidade e pertença comum.
Os rituais podem ter pompa e circunstância. Como a que hoje nos rodeia, neste magnífico e histórico lugar. Mas podem também ser feitos de pequenos gestos coletivos ou individuais.
Quando cheguei a Bruxelas pedi para colocarem no corredor de acesso ao meu gabinete a fotografia de todos os anteriores Comissários da Ciência e Inovação. Todos os dias, para entrar no gabinete tinha que passar por uma fila de caras que me fixavam o olhar. Era o meu pequeno ritual matinal.
Útil para me relembrar que o cargo está acima da pessoa.
Útil para me relembrar que outros passaram pelo mesmo.
Que tiveram os mesmos anseios e as mesmas angústias.
É, portanto, com emoção que vivo este ritual que hoje nos une.
Que o faço na presença da família, de tantos amigos e de tantas pessoas que partilham a minha paixão por Lisboa.
Aquilino Ribeiro Machado e Krus Abecassis passaram por este dia. Assim como Jorge Sampaio, cujo desaparecimento recente tanto emocionou a nossa Cidade. João Soares, Pedro Santana Lopes e Carmona Rodrigues também o viveram. E mais recentemente, António Costa e Fernando Medina.
Hoje assinalamos um passado que tem que ser honrado e respeitado. Mas também antecipamos um futuro no qual chegará o dia em que – também nós – passaremos o testemunho.
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[comunidade e espaço]
Que testemunho será esse? Que marcas queremos deixar em Lisboa? Que cidade queremos deixar como legado?
As cidades prósperas fazem-se de três vetores fundamentais:
A comunidade: Os Lisboetas, com os seus anseios, cultura e talentos.
O espaço: O território e os seus recursos.
E as regras que geram harmonia entre o espaço e a comunidade.
Como numa composição musical, a Cidade apenas funciona se houver essa harmonia.
E para haver essa harmonia a comunidade tem que estar acima de tudo. Tem que ser a nota dominante.
Lisboa tem que ser uma casa que todos sintam como sua.
Os que aqui nasceram e os que para cá vieram;
Os que vivem em Lisboa e os que aqui trabalham;
Os mais velhos e os mais novos;
A cidade tradicional e a cidade global.
Por isso e por todos temos que combater o que os economistas chamam a "tragédia dos comuns".
Durante muitos anos, a ortodoxia económica defendia uma lei incontornável: “quando os recursos são de todos, há inevitavelmente abuso desses recursos.”
Esta ideia é politicamente perigosa.
Historicamente, algumas forças políticas usaram-na para dizer que todo o espaço público teria que ser privatizado.
Outros usam-na como desculpa para centralizar o poder de forma desmesurada, sacrificando a primazia do cidadão e das suas escolhas.
Felizmente, muitos pensadores combateram esta ortodoxia, rejeitando a inevitabilidade histórica. Elinor Ostrom, a primeira mulher a ganhar o Prémio Nobel de Economia, em 2009, identificou com enorme rigor exemplos concretos que contradizem esta lei: descobriu comunidades que foram capazes de criar e sustentar regras equitativas, transparentes e respeitadoras do meio ambiente sem abusar dos seus recursos.
O ponto de Ostrom define bem a maneira como eu quero fazer política. Define bem os Novos Tempos da política: Se os políticos confiarem mais e envolverem mais os cidadãos, serão surpreendidos pela capacidade da comunidade em cuidar e preservar o seu espaço comum.
Não há cidades perfeitas, mas há cidades mais felizes que outras.
As populações não podem ser tratadas como entes abstratos, ouvidos apenas de 4 em 4 anos.
[cidade participada]
É por isso que a primeira marca do nosso programa foi e é o envolvimento das pessoas no processo de decisão da cidade. Fui até criticado por usar a palavra "pessoas" em demasia. Como se o deficit de humanismo estivesse alguma vez resolvido.
Mas fi-lo por estar profundamente convicto que a comunidade tem que estar no centro de tudo.
As soluções que realmente geram prosperidade têm que vir de baixo para cima e não de cima para baixo.
Têm que partir das pessoas,
Têm que ser sentidas pelas pessoas,
Têm que servir as pessoas.
(...lá estou eu outra vez a usar em excesso a palavra "pessoas"!)
É esse o sentido que dou à criação de uma Assembleia de Cidadãos que reunirá várias vezes por ano. Lá estaremos para ouvir, corrigir, melhorar e avaliar.
Como diz o famoso provérbio africano: "é preciso toda uma aldeia para educar uma só criança".
Eu acredito que é preciso toda uma comunidade para gerir e imaginar uma cidade.
Será essa a minha marca. Será esse o meu grande princípio orientador:
Em cada dia que entrar nesta Casa.
Em cada conversa que tiver com um munícipe.
Em cada decisão que tomar.
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[políticas]
Ficando nítida a trave-mestra da minha política, falemos então das decisões que temos pela frente!
[economia]
Estamos felizmente a sair do período mais crítico da pandemia. Mas o legado desta crise vai permanecer. A nossa primeira obrigação é a de ajudar os Lisboetas, os comerciantes locais, as empresas, a recuperar o mais rapidamente possível.
É aqui que entra o novo programa Recuperar+ e outras iniciativas de resposta imediata e sem burocracia. Mas também as nossas propostas de redução de impostos, que darão maior liquidez às famílias.
Vejo a redução de impostos municipais como progressiva e regular até criar uma linha constante: Lisboa cidade fiscalmente amigável.
Porque uma Câmara Municipal que queira fortalecer a comunidade – que confie na comunidade – deve antes de mais libertar recursos para que seja cada Lisboeta a decidir o que quer fazer com esses recursos.
Também nesta lógica criaremos ecossistemas como a Fábrica de Unicórnios ou o Centro Mundial para a Economia do Mar que trarão a Lisboa uma nova maneira de ligar a inovação à criação de emprego.
[social]
Temos que promover o crescimento. Mas ao mesmo tempo temos que assegurar que nenhuma família fica para trás.
Uma comunidade saudável cuida dos mais frágeis. É por isso que lançaremos um plano de acesso à saúde para os lisboetas com mais de 65 anos, que são carenciados e que hoje, em muitos casos, não têm médico de família.
É também por isso que teremos várias iniciativas para apoiar as pessoas em situação de sem-abrigo.
É por isso que vamos reforçar a rede de cuidadores informais.
É por isso que vamos apoiar as doenças crónicas e irreversíveis.
Vamos fazê-lo envolvendo as Juntas, mas também o terceiro sector e as bolsas de voluntariado.
Gostava que Lisboa fosse conhecida como: A cidade que cuida. Que cuida de quem precisa.
[habitação]
O nosso espaço começa antes de mais com a habitação de cada família. Estamos todos conscientes que é preciso fazer mais e melhor em matéria de Habitação e Urbanismo.
Houve nos últimos anos demasiada incerteza nestas áreas. O meu dever é auditar para melhorar e é isso que farei.
Temos que acelerar a reconversão urgente do muito património municipal devoluto. Temos que reconverter para habitar. Temos que ajudar os jovens na compra da sua primeira casa.
Mas antes de mais temos que ser – na Câmara – muito mais exigentes nos prazos e na qualidade do licenciamento urbano e comercial.
Temos que mostrar, para dentro e para fora, onde estamos a falhar, mas também onde estamos a avançar.
Precisamos de um choque de gestão no licenciamento e tal começa na transparência. Os Lisboetas têm que ser os primeiros a fiscalizar o que estamos a fazer ou deixar de fazer.
Um juiz americano, Louis Brandeis, dizia que “a luz do sol é o melhor desinfetante”. Se formos abertos e transparentes expomos as nossas feridas, é certo. Mas essa é a única maneira de as curar. A transparência e a redução da burocracia são os melhores remédios contra os atrasos, os critérios pouco claros ou inconstantes, as decisões mal justificadas e, evidentemente, os melhores remédios contra a corrupção.
[mobilidade]
Falemos agora de mobilidade.
Reduzir tempos, reduzir preços, reduzir emissões – será esse o nosso lema.
Temos que melhorar o serviço, diminuir os tempos de espera.
Temos que tornar o estacionamento mais acessível. Temos que redesenhar a rede de ciclovias. Queremos aumentar a circulação em bicicletas, mas de uma forma que seja segura e equilibrada.
O nosso objetivo é que, cada dia, mais e mais pessoas optem de forma natural pelos transportes coletivos e sustentáveis.
E por isso queremos tornar os transportes gratuitos para os mais novos, para induzir novos hábitos, e para os mais idosos, que tanto precisam.
[segurança]
A mobilidade no espaço requer também um sentimento de segurança.
Jane Jacobs dizia: “as ruas e os seus passeios são os órgãos vitais das cidades” e que “uma rua bem usada tende a ser uma rua segura”.
É por isso que a segurança começa com passeios bem-vividos, com pessoas a circular, com comércio local de portas abertas. Mas passa também pelo policiamento de proximidade e pela valorização das nossas forças policiais.
A segurança passa ainda por prepararmos a cidade para fenómenos da natureza e possíveis catástrofes. Por isso temos também que ter uma redobrada atenção ao nosso sistema de Proteção Civil.
[verde]
Tal é tão mais importante quando vemos que a Natureza tem enviado sinais preocupantes.
Uma cidade verde e sustentável faz-se com as pessoas. Não impondo a transição às pessoas.
É preciso informar, conversar, convencer e partilhar.
Enquanto Comissário lancei inúmeras iniciativas nesta área. Com os meus conselheiros Carlo Ratti e Mariana Mazuccato lancei a ideia das Missões para a Ciência que construímos com o envolvimento dos cidadãos. Uma das missões em curso é precisamente a de ajudar as cidades a ser neutras do ponto de vista de emissões de CO2.
Trabalharemos em rede e em parceria com outras grandes cidades do mundo, para que Lisboa seja pioneira nesta corrida contra o tempo.
E por isso anuncio, hoje, aqui, a minha intenção de assumir pessoalmente o pelouro da transição energética e alterações climáticas.
[cultura]
Tal como a natureza, também a Cultura deve ser vista de forma integrada.
Recuso falsas dicotomias e falsas escolhas:
Entre cultura popular e erudita.
Entre o passado e a contemporaneidade.
Entre a defesa do património e as novas criações.
O nosso projeto cultural será abrangente, sem tribos nem fações.
Por isso falámos de um Teatro em cada Freguesia, para ilustrar a importância de haver espaços de cultura descentralizados e perto das pessoas. Espaços de liberdade, de experimentação, mas também de celebração das tradições culturais de Lisboa.
[restantes forças políticas e funcionários]
Minhas Senhoras e Meus Senhores,
São estas algumas das iniciativas e políticas que lançaremos nestes Novos Tempos.
No caminho entre a formulação e a concretização das políticas, estou e estarei sempre disponível para trabalhar com todos os eleitos que hoje tomam posse, com todas as forças políticas. E com todos os funcionários do município.
Cada um dos vereadores tem legitimidade democrática própria. Estou certo de que todos aceitam – como democratas que são – que os lisboetas atribuíram a uma plataforma mais votos do que a todas as outras, o que tem implicações próprias e claras. Mas dito isto, todos os que hoje tomam posse têm o direito de lutar pelas suas convicções.
Da minha parte, tenho a obrigação de respeitar essa legitimidade de cada um.
Mas ao mesmo tempo tenho o direito de exigir que seja respeitada a legitimidade específica do nosso mandato executivo.
Enquanto Presidente de Câmara trabalharei de forma incansável para gerar consensos. Não contrariarei princípios fundamentais do nosso programa, pois tal seria defraudar a confiança que depositaram em nós. Posso e sei fazer compromissos onde todos cedem um pouco para o bem geral.
Precisamos de uma vez por todas acabar com a política de fricção.
Queria aliás assinalar que, nas recentes reuniões que tivemos para passagem de pasta, esse espírito construtivo foi assumido pelo Executivo cessante. Em particular por Fernando Medina, a quem hoje aqui agradeço.
Estou também confiante na cooperação entre o Município e o Governo da República. No respeito das competências e diferenças próprias, estou certo de que conseguiremos colaborar em prol de Lisboa e de Portugal.
Mas Lisboa terá a sua política própria e a sua ambição própria. Quero Lisboa mais presente nos debates Europeus e globais em áreas como a transição energética, mobilidade sustentável ou ciência e inovação. Seremos locais, municipais, metropolitanos e globais.
Uma palavra aos funcionários da Câmara Municipal de Lisboa: Obrigado.
Sei que estes anos foram de uma enorme exigência para os serviços municipais.
Sei que estão expectantes com esta mudança.
Estarei sempre ao vosso lado. E é por isso que vos quero ouvir atentamente nas próximas semanas e meses. Temos que aproveitar esta alternância democrática para revisitar práticas e ver de que forma podemos servir melhor a nossa cidade.
Sei que juntos vamos ser mais exigentes.
Que podemos encurtar prazos.
Que podemos ser mais eficazes na fiscalização.
Que podemos responder de forma mais direta e eficiente aos anseios dos lisboetas.
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Minhas Senhoras e Meus Senhores,
É preciso toda uma comunidade para gerir uma cidade.
A partir de hoje e desta praça – neste ritual – inicia-se mais um capítulo desta cidade de longa História.
Com o ritual que aqui nos une, marcamos simbolicamente o fim de um ciclo e a início doutro.
Com este ritual juntamos antigos adversários que a partir de hoje têm uma oportunidade de trabalhar em conjunto, preservando a sua identidade própria.
Com este ritual dizemos solenemente aos Lisboetas aquilo que tencionamos fazer.
Não o fazemos com sentimento triunfalista e muito menos esquecendo o passado.
Fazemo-lo sim com a consciência do fardo que sai dos ombros de uns – aliviando-os – e que agora recai sobre nós, pesando.
Recai sobre nós, a partir de hoje, a tarefa de zelar pela comunidade de Lisboetas e pelo espaço que nos alberga. A tarefa de imaginar, desenhar, negociar e executar as regras que podem trazer harmonia entre a comunidade e o seu espaço.
Recordo um presidente americano a quem perguntaram um dia se sentia o peso da responsabilidade da presidência. E ele respondeu: “Podia ser pior. Podia ser Presidente da Câmara.”
Fazemo-lo com enorme entusiasmo e sentido de missão.
Fazemo-lo com um sentimento de gratidão aos Lisboetas.
Da minha parte, afirmo com emoção:
Larguei tudo como candidato.
Darei tudo como Presidente.
Vamos ao trabalho.
Viva Lisboa.
Viva Portugal.