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Crise. Marcelo só soube da reunião do ministro da Defesa com o CEMA “depois de ela ter acontecido”

“Inexplicável.” Presidente da República só teve conhecimento da conversa em que Gomes Cravinho exonerou o chefe da Armada “depois de ela ter acontecido”. Marcelo Rebelo de Sousa desautorizou o ministro da Defesa em público e alertou estar em causa “o prestígio das instituições”. António Costa pediu audiência com Cravinho em Belém - no fim do encontro, uma breve nota da Presidência diz que os “equívocos ficaram esclarecidos”

TIAGO PETINGA/Lusa

O Presidente da República, que é comandante supremo das Forças Armadas, só soube da reunião que o ministro da Defesa, Gomes Cravinho, teve na terça-feira com o chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA), Mendes Calado, para o informar de que iria ser exonerado "depois de ela ter acontecido", confirma ao Expresso fonte oficial da Presidência da República.

"É inexplicável", sublinham no Palácio de Belém, para onde o primeiro-ministro se dirigiu esta quarta-feira acompanhado do ministro da Defesa após ter pedido uma audiência ao Presidente alegadamente para "esclarecer equívocos" - equívocos esses que ficaram esclarecidos, segundo uma breve nota da Presidência divulgada no final da audiência.

António Costa tenta assim apagar um fogo que Marcelo mostrou esta quarta-feira em público ter atingido dimensões de crise quando afirmou estar em causa "o prestígio das pessoas e das instituições".

"Só há uma pessoa que tem o poder de decisão [nesta matéria], que é o Presidente da República - a palavra final é do Presidente da República”, alertou Marcelo Rebelo de Sousa. E "não vale a pena estar a antecipar palavras e decisões que não existiram - e não há razão para especulações".

O que deve existir é “estabilidade nas instituições, nomeadamente numa instituição que, por natureza, deve ser estável, que são as Forças Armadas Portuguesas”, avisou o Presidente, depois de ter congelado a intenção do Governo de avançar já com a exoneração do CEMA e a sua substituição pelo almirante Gouveia e Melo, que liderou o processo de vacinação covid.

O Presidente da República falou esta quarta-feira após uma visita à Casa do Artista, em Lisboa, e fez questão de esclarecer o que descreveu como “três equívocos”.

Primeiro: o CEMA, que viu o seu mandato renovado a 1 de março - renovação essa que normalmente dura dois anos -, "mostrou uma disponibilidade, com elegância pessoal e institucional, para prescindir de parte do tempo para permitir que pudessem aceder à sua sucessão camaradas seus antes de deixarem o ativo". "Nessa altura foi acertado um determinado momento para isso ocorrer, que não é este momento”, insistiu Marcelo, reforçando: "há aqui um equívoco de momento acerca da cessação de funções".

Segundo: o que Marcelo viu "ser apresentado como fundamentação" para o afastamento do atual CEMA, ou seja, a oposição de Mendes Calado à reforma da estrutura superior das Forças Armadas proposta pelo Governo. O Presidente lembra que o almirante expôs "o ponto de vista da Armada no processo de elaboração de uma lei", à semelhança do que fizeram os chefes do Estado-Maior do Exército e da Força Aérea. Os chefes dos três ramos das Forças Armadas intervieram igualmente no Conselho Superior de Defesa Nacional, "como é seu direito e é seu dever", e juntaram-se ao parecer unânime favorável no final. Também se deslocaram à Assembleia da República e expuseram os seus pontos de vista e, "a partir do momento em que foi votada a lei, acataram e respeitaram a lei em vigor". "Isto é um exemplo de lealdade institucional e não de deslealdade institucional", sustentou Marcelo.

E terceiro: "só faz sentido falar em substituição depois de terminado o exercício de funções". "Não sendo esse o caso, em momento adequado, que não é este, quando se colocar essa questão se colocará a questão da substituição", disse, lamentando que as notícias tenham acabado por envolver o nome de Gouveia e Melo.

Na sua opinião, o vice-almirante "merece, pela sua carreira, a condecoração cujas insígnias lhe entreguei e, pela atuação na campanha da vacinação, o agradecimento de todos os portugueses", disse. O que não merecia, sustentou o Presidente da República, era ver o seu nome envolvido nesta polémica. "O seu mérito, a sua classe, a sua categoria dispensam o ser envolvido numa situação em que pudesse aparecer como num atropelamento de pessoas ou de instituições. Não é bom nem para as pessoas nem para as instituições", concluiu.