Política

Ventura perde imunidade parlamentar para responder sobre jantar-comício que teve parecer negativo da DGS

Em causa está um evento da campanha presidencial em janeiro, que concentrou cerca de 170 apoiantes em 450 metros quadrados num salão sem ventilação nem distanciamento físico. O crime de desobediência, invocado pelo Ministério Público, é punível com um ano de prisão ou 120 dias de multa

José Fernandes

André Ventura viu esta sexta-feira a sua imunidade parlamentar levantada para que possa ser constituído arguido e interrogado sobre um evento da sua campanha presidencial em janeiro, que concentrou cerca de 170 apoiantes em 450 metros quadrados num salão sem ventilação nem distanciamento físico. O plenário da Assembleia da República aprovou por unanimidade o parecer da Comissão de Transparência e Estatuto dos Deputados, emitido na quarta-feira, o que levará o deputado único e líder do Chega a responder perante o Tribunal Judicial da Comarca de Braga.

“Cá estarei para prestar todos os esclarecimentos que a Justiça entender. Não nos condicionarão nem impedirão. O quadro legal em vigor na altura permitia a ação política”, afirma Ventura num vídeo divulgado pelo partido na quinta-feira, dizendo que enfrentará o processo com “muitíssima tranquilidade”.

Quando o pedido de levantamento da imunidade parlamentar foi conhecido, no mês passado, Ventura considerou-o “um pouco estranho”. Em nota enviada ao Expresso, o presidente do Chega justificou a sua estranheza relativamente ao pedido do Ministério Público: “É sabido de todos que não é o candidato presidencial o responsável pela organização, logística e autorizações do evento”. “É, por isso, um pouco estranho que o tribunal, sem o ouvir, decida pedir o levantamento da imunidade”, concluía a nota.

O crime de desobediência, invocado pelo Ministério Público, é punível com um ano de prisão ou 120 dias de multa. Segundo o ofício do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, a que a agência Lusa teve acesso em maio, foi pedida pela juíza de instrução criminal ao presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, a constituição de Ventura como arguido para posterior interrogatório.

Questionada pelos jornalistas a 17 de janeiro, enquanto decorria o jantar-comício, a candidatura assegurou que o jantar cumpria as regras da Direção-Geral da Saúde (DGS), mas as autoridades sanitárias revelaram posteriormente que o parecer dado tinha sido negativo. A GNR viria também a identificar o proprietário do Solar do Paço, no lugar de Tebosa, nos arredores de Braga.

A garantia de que o jantar decorria em conformidade com as regras da DGS foi dada por Rui Paulo Sousa, diretor da campanha presidencial de Ventura, membro da direção nacional do Chega, coordenador da Comissão de Ética do partido e agora candidato autárquico à Câmara de Castelo Branco. No final do jantar, os jornalistas foram recebidos com vaias na sala. Quando usou da palavra, Rui Paulo Sousa afirmou: “Os nossos inimigos, os nossos adversários estão lá fora. Não estão todos lá fora, infelizmente. Alguns estão cá dentro.” Estas declarações motivaram a audição de alguns dos repórteres presentes na campanha e posterior deliberação da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ).

“Na sala, além dos apoiantes, só estavam os jornalistas. Nessa noite, vários profissionais da comunicação social ouviram insultos, ameaças, vaias, apupos dentro da sala do jantar-comício. Um carro de reportagem da RTP, ao serviço da rádio Antena 1, foi vandalizado: arrancaram-lhe o limpa-para-brisas”, referiu a CCPJ. “As ameaças não foram apenas presenciais. Nas redes sociais, o tom usado por alguns apoiantes e por, pelo menos, um dirigente do Chega é passível de ser enquadrado como crime”, acrescentou, tendo remetido um relatório a entidades como o Presidente da República, o primeiro-ministro, a Procuradoria-Geral da República e a Provedora de Justiça.