Sistema financeiro

"O mais importante para mim é a independência face ao poder politico, serei ferozmente independente"

O próximo governador do Banco de Portugal, Álvaro Santos Pereira, diz ter um princípio basilar: "Serei ferozmente independente", independentemente do governo com quem tiver de se relacionar, transmitiu aos deputados na audição que decorreu esta quarta-feira no Parlamento

Nuno Botelho

O economista chefe da OCDE e ex-ministro da Economia diz ter ambições de que não abre a mão no seu próximo cargo como governador do Banco de Portugal: independência face ao poder político e a supervisionados e tornar a relação entre o governo e o Banco de Portugal mais interativa.

É claro ao dizer que "não me interessa quem está no poder", garantindo que a "independência" é o princípio que quer manter ao longo do seu mandato. "Independência face ao poder político, mas também face aos supervisionados e grupos de interesse". Promete melhorar a sua relação entre o ministério das Finanças e o Banco de Portugal, através de uma interação mais institucional. O que contrasta com a relação que o ainda governador Mário Centeno tinha com o atual ministro das Finanças, Joaquim Miranda Sarmento, cujas relações pessoais e institucionais não foram as melhores.

Álvaro Santos Pereira em resposta a um dos deputados esclarece: "Não sou militante nem nunca fui, por opção própria. Sou independente", acrescentando que nunca pensou "ser candidato a cargos políticos".

Para frisar: "Vou levar a independência do Banco de Portugal até ao limite, manterei uma relação cordial com todos os governos, o banco deve ser independente e as pessoas que lá trabalham devem ter a mesma postura".

Questionado sobre o que disse num dos seus livros sobre filiação partidária na contratação para organismos do Estado pelo deputado socialista e ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Fernando Medina, António Mendonça Mendes, afirma que quem trabalhar no Banco de Portugal "não deve estar na política ativa", mas "não vou pedir a filiação política aos funcionários", esclarece. Uma questão que surge a propósito do que escreveu num seu livro. O também ex-secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, António Costa, chegou mesmo a dizer que as tomadas de posição do sucessor de Mário Centeno, o "Ronaldo das Finanças" que antecedeu a Fernando Medina nas Finanças, não teria condições para assumir o cargo, nomeadamente pelo facto de exigir na contratação pública a filiação partidária entre outras posições.

Sede do Banco de Portugal faz sentido para centralizar

No que diz respeito à polémica que se instalou sobre a nova sede do Banco de Portugal e a auditoria da Inspeção-Geral de Finanças (IGF), Álvaro Santos Pereira, esclarece o banco central está espalhado em diversos locais, em Lisboa, e por isso "faz todo o sentido concentrar os serviços. Isso não está em causa".

Já quanto à localização da sede e à segurança, será um tema que "irei analisar o tema quer ao nível jurídico e de segurança". Quando questionados pelos deputados, por diversas vezes, ao logo da audição que demorou sensivelmente duas horas, sublinha: "É importante dizer que sobre a auditoria está na Lei orgânica do Banco de Portugal e do Ministério das Finanças, assim como segundo as regras do Eurosistema, sabemos que não é possível serem feitas auditorias por instituições controladas politicamente". Sublinhando que "o Banco de Portugal deve ser auditado pelo Tribunal de Contas, ou auditorias externas", mas também diz que "quem não deve não teme e por isso "iremos responder a todas as questões e iremos responder à IGF". Ou seja, Santos Pereira questiona mesmo a legitimidade da auditoria da IGF para atestar sobre se o negócio cumpriu todos os parâmetros, referindo que esta não é independente. Mas não deixa de dizer também que, se fosse Mário Centeno, um governador em fim de mandato, não teria tomado a decisão sobre a nova sede. “Decisões desta não se tomam em fim do mandato”, disse, escusando-se a mais explicações.

Santos Pereira diz ainda que o Código de Atividade Bancárias (CAB) que já foi sujeito a consulta pública, mas que ainda não saiu da gaveta, "terá a atenção devida".

Sobre o tema das taxas de juro e das eventuais mexidas, Santos Pereira diz que "não sou pomba de maneira nenhuma, mas é importante dizer que a política fiscal deve ter almofadas para podermos ajudar as pessoas e as empresas, tal como na política monetária, devemos ter margem para que, se houver uma crise, a política monetária possa atuar para ajudar a economia".

Diz que existem divergências em vários países quanto à necessidade de haver mais cortes, ou não, mas "na zona euro, como a taxa de inflação está dentro dos objetivos, é possível que as taxas se mantenham constantes, mas será sempre uma análise de momento".

Reconhece que o sistema bancário melhorou, mas é preciso estar sempre alerta e potenciar um melhor financiamento, tendo cautelas quanto ao endividamento das famílias e das empresas, apesar de haver melhorias nos últimos anos. Concorda com o aumento da oferta em termos de habitação referindo um gap entre a produção de casas há 20 anos, cerca de 60 mil por ano, que mais recentemente caiu para 15 mil por ano, o que é insuficiente, o que obviamente inflaciona o preço das casas.

Sobre a continuidade de Mário Centeno nos quadros do Banco de Portugal diz que é "um direito que tem", enquanto ex-governador, mas avisa que se fosse com ele, “não ficaria”.

À exceção de todos os grupos parlamentares que de uma forma ou outra reconheceram a Álvaro Santos Pereira competências para ocupar o cargo de governador do Banco de Portugal, o Partido Socialista colocou reticências face a algumas posições tomadas pelo ex-ministro da Economia do governo de Passos Coelho para o cargo. Foram elas: opiniões sobre a reestruturação da dívida, comparando ao ex-ministro das Finanças grego, Yanis Varoufakis, assim como o facto de se referir ao tempo da troika dizendo que Portugal estava na banca rota, entre outras críticas.

Resta agora o parecer da comissão que não é vinculativo para que Santos Pereira tome posse, após aprovada a sua nomeação em Conselho de Ministros, como governador do Banco de Portugal, sucedendo a Mário Centeno.