Política

Governo dependente da bazuca para recuperar (sem austeridade)

Ministro das Finanças vê luz ao fundo do túnel e confia que 'bazuca' de Bruxelas chegue no verão, altura em que o turismo retoma e as exportações voltam a impulsionar o crescimento económico. BE e PCP avisam que o Orçamento está por cumprir e que é preciso reforçar apoios. “Propaganda” ou “ato de fé”, todos desconfiam de previsões económicas otimistas

MANUEL DE ALMEIDA

“O Programa de Estabilidade é o Plano de Recuperação e Resiliência e o Plano de Recuperação e Resiliência é o Programa de Estabilidade”. Foi assim que o deputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, resumiu, no debate desta quinta-feira à tarde no Parlamento, como o “futuro do país está totalmente dependente do dinheiro da Europa” e, pior, como o “governo nem tenta disfarçar”.

A verdade é que, minutos antes, o ministro das Finanças tinha deixado no Parlamento um cenário otimista de luz ao fundo do túnel: a “recuperação está em andamento”, disse João Leão, apoiando-se na presumível imunidade de grupo que chegará a meio do ano e nos fundos de Bruxelas que “se espera que cheguem até ao verão”. Com isto virá o turismo, as exportações, e com isso o crescimento económico.

Esta é a teoria do Governo, que ficou vertida no Programa de Estabilidade, com previsões de crescimento económico na ordem dos 4% do PIB já este ano e com a crença de que o crescimento económico voltará aos níveis pré-pandemia já em 2022. E tudo por causa da bazuca.

“Com a entrega formal do PRR à Comissão Europeia na semana passada esperamos que os fundos cheguem até ao verão, e é no forte impulso do PRR que assenta o Programa de Estabilidade”, disse o ministro no Parlamento ao mesmo tempo que se vangloriou de o plano de recuperação do atual Governo nada ter a ver com os planos de resposta à crise do Governo anterior do PSD: não tem cortes nem “um pingo de austeridade”. Mas tem bazuca.

O otimismo já tinha sido refreado pelo Conselho das Finanças Públicas na análise que fez ao Programa de Estabilidade (duvida que “fundos sejam devidamente absorvidos" e receia que efeitos do PRR estejam inflacionados), e voltou a ser posto em causa pelos deputados, da esquerda à direita, no debate travado esta quinta-feira no Parlamento.

O PSD chamou-lhe um “ato de fé em que só acreditam os indefectíveis do PS”, afirmando que, sem detalhes sobre investimentos e aplicação do dinheiro, não passa de “um simples papel onde o Governo escreveu números abstratos”. O PCP avisou que não adianta o Governo prometer mais agora se “o que ficou por executar no OE é seis vezes superior ao que se espera este ano do PRR”. E o BE pôs mais lenha na fogueira: “Para mais do mesmo basta o Orçamento do Estado para 2021” que há muito provou ser desajustado, disse Mariana Mortágua.

Faltam apoios às empresas, queixou-se o PSD e o CDS, falta “aquele mínimo de relação com a realidade que é indispensável na propaganda”, queixou-se o Bloco de Esquerda, lembrando o braço de ferro do reforço dos apoios sociais — que o Governo enviou para o Tribunal Constitucional e que põe em causa a narrativa do Governo de que os apoios à economia vão continuar, “custe o que custar”.

O Programa de Estabilidade, como disse João Leão, é o tiro de partida do processo orçamental. A esquerda vai ter de negociar novo Orçamento e Leão acena com uma recuperação sem austeridade escudado nos milhões de Bruxelas. Diz que prova disso é a taxa de desemprego de março ter ficado nos 6,5%, o que indica que no final do ano pode vir a ficar abaixo do nível que estava previsto no Programa de Estabilidade para este ano (7,3%). O Governo vê luz ao fundo do túnel (não só da pandemia como da economia), mas todos desconfiam.