Política

Covid-19: Marcelo não quer ruído no confinamento, mas o Governo faz orelhas moucas

No decreto-lei que regula o atual estado de emergência, o Presidente queria limitar o nível de ruído nos edifícios, a bem de um teletrabalho mais tranquilo, mas o Executivo de António Costa não lhe fez a vontade
ANTÓNIO COTRIM/LUSA

O sinal de que algo tinha mudado foi a passagem de mais de 24 horas sobre a aprovação do decreto que regula o funcionamento do atual estado de emergência. A reunião do Conselho de Ministros debateu as orientações, mas o texto não foi dado a conhecer de imediato. Sem dúvidas, a Presidência da República anunciou logo a promulgação do documento, mesmo quando este ainda não tinha sido tornado público.

O Executivo liderado por António Costa esteve reunido na última quinta-feira e, no dia a seguir, o decreto ainda não tinha sido publicado em "Diário da República". Para a opinião pública, no entanto, não havia razão para dúvidas, porque, num comunicado emitido na própria quinta-feira, o Governo avançava que o texto tinha sido já aprovado em sede de Conselho de Ministros. E, para calar os críticos, ficou logo estabelecido neste comunicado o fim da proibição da venda de livros em hipermercados, mas o texto não se referia à exigência presidencial de limitar os níveis de ruído.

Conhecido apenas este sábado, o decreto regulamentar passa ao lado da recomendação de Marcelo Rebelo de Sousa, que, no decreto aprovado na quinta-feira pelo Parlamento, tinha sido bastante claro: "Podem ser determinados níveis de ruído mais reduzidos em decibéis ou em certos períodos horários, nos edifícios habitacionais, de modo a não perturbar os trabalhadores em teletrabalho."

O texto sobre o atual estado de emergência, que vai vigorar nas próximas duas semanas, foi aprovado com os votos a favor do PS, PSD, CDS, PAN e da deputada não-inscrita Cristina Rodrigues. PCP, PEV, IL, Chega e a deputada Joacine Katar Moreira votaram contra e o BE absteve-se.

Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero, em declarações à rádio TSF, disse que "é efetivamente estranho" que o Governo não tivesse concretizado o objetivo presidencial. E, sublinhou que no que toca ao ruído de obras nos edifícios - o que poderá estar por trás da orientação definida pelo Presidente -, o prazo diário permitido deve ser reduzido para um máximo de quatro horas. Atualmente, pode ir das 8H00 às 20H00.

Num comunicado, a associação Zero defendeu que "o Governo deve, na sequência do decreto do Presidente da República, estabelecer que, pelo menos temporariamente, as autoridades policiais poderão em qualquer altura ordenar ao produtor de ruído de vizinhança a cessação imediata da incomodidade". O que, neste momento, "só está previsto entre as 23H00 e as 07H00". A Zero afirma ser "também fundamental que as autoridades (PSP e GNR) atuem de forma rigorosa no cumprimento da lei, não hesitando em efetuar as contra-ordenações que sejam necessárias para garantir o descanso."

O Presidente pediu ainda um plano concreto e faseado que permita começar a calendarizar o regresso às aulas presenciais nas escolas, mas também neste caso, o Governo "fintou" Marcelo Rebelo de Sousa. O diploma deixa também, desde já, em aberto a definição pelo Executivo de um "plano faseado" de reabertura das escolas. Mas nem há plano no texto emanado do Conselho de Ministros, nem António Costa quis se comprometer com metas de reabertura dos estabelecimentos de ensino na conferência de imprensa em que as regras do novo estado de emergência foram apresentadas.

"A regra é manter tudo exatamente como está e devemos preparar os portugueses, falando-lhes verdade, e dizer que devemos assumir que, durante o mês de março, iremos manter um mês de confinamento muito semelhante a este, senão mesmo idêntico", afirmou o primeiro-ministro sobre o estado de emergência em vigor até 1 de março.