A decisão de sair foi tomada de quarta para quinta feira, mas já há algum tempo que a juíza Clara Sottomayor enfrentava problemas no Tribunal Constitucional (TC). O chumbo da lei dos metadados, que permite atualmente aos serviços de informações ter acesso a dados de comunicações como o tráfego e a localização celular, foi a gota de água.
O Expresso sabe que, enquanto relatora, Clara Sottomayor se recusou a fazer alterações na fundamentação do acórdão, o que causou grandes discussões com outros juízes. A juíza defendia que o texto, de onde sairão as pistas para o Governo e o legislador puderem elaborar a futura legislação, não deveria ser alterado do que tinha sido discutido e votado pelo plenário. As alterações ao documento foram comunicadas à juíza fora do plenário. Até agora, o TC ainda não respondeu às questões do Expresso.
O braço de ferro manteve-se até esta quarta-feira, quando Clara Sottomayor tomou a decisão e a comunicou ao Bloco de Esquerda, o partido que a indicou.
A lei dos metadados, no entanto, será mesmo chumbada. E será a estreia do Governo em chumbos vindos do Constitucional. É também a segunda vez, depois do chumbo da lei da Procriação Medicamente Assistida, que o tribunal contraria o Presidente da República que ainda não enviou ao TC nenhum diploma. Quando promulgou a lei, Marcelo Rebelo de Sousa justificou a decisão com um "consenso jurídico".
A Procuradoria-Geral da República e a Comissão de Fiscalização do Sistema de Informações manifestaram-se a favor da lei, porém a Comissão Nacional de Proteção de Dados e a Ordem dos Advogados consideraram que viola a Constituição. PCP, PEV e BE acabaram por enviar o diploma para o Constitucional.
Os juízes alinharam pelo memorando proposto pelo presidente do Constitucional, Manuel Costa Andrade. Depois de uma vitória renhida, o plenário dividiu-se entre vencidos e vencedores, de onde foi escolhido um relator, e os juízes preparam agora as suas declarações de voto. Os partidos esperam uma decisão para o fim do mês de maio, mas a decisão tem vindo a ser adiada.
Em causa está a violação do artigo 34 da Constituição da República Portuguesa que diz respeito à inviolabilidade do domicílio e da correspondência. Já em 2015, o TC tinha chumbado uma lei semelhante do Governo de Passos Coelho, por considerar que a ingerência nas telecomunicações dos cidadãos só poderá ocorrer "no âmbito de um processo criminal". Como as secretas não realizam investigação criminal, o acesso aos dados de tráfego das comunicações estava vedado.
O Executivo de António Costa tentou contornar novo chumbo, ao criar no Supremo uma secção de juízes-conselheiros para julgar os pedidos num prazo de 72 horas.