Início de 2015. O líder do maior partido da oposição, António Costa, tinha pedido a um grupo de peritos, liderado por um alto quadro do Banco de Portugal - chamado Mário Centeno -, para preparar uma agenda, que foi designada de “Uma Década para Portugal”, que serviria de base ao programa do Partido Socialista nas eleições que teriam lugar em outubro. O PSD criticou. Considerou-o irrealista. Fez 29 perguntas. Queria que a UTAO avaliasse aquelas contas. Quatro anos depois, em julho de 2019, é o PSD que está na oposição. O líder, Rui Rio, apresentou o seu cenário macroeconómico que estará na raiz do seu programa eleitoral, para submeter a sufrágio nas legislativas agendadas para 6 de outubro. Mário Centeno criticou-o. Funciona assim.
“Não vejo uma dificuldade significativa no cenário macro apresentado pelo PSD desse ponto de vista. Já a mesma coisa não penso em relação à sua razoabilidade orçamental, onde, do pouco que sabemos daquele programa, me parece que falha ali quase tudo”, atirou Mário Centeno em entrevista ao Público este sábado, 6 de julho. As medidas, defende o ministro das Finanças, não são razoáveis.
“Sabemos que a receita fiscal vai cair quando comparando com todos os outros cenários. E depois há ali o habitual milagre do corte da despesa que levanta algumas dúvidas, em particular no que diz respeito aos consumos intermédios”, diz. “Aquelas despesas que estão previstas no programa do PSD não me parece que cheguem para dar resposta a essas obrigações”. Estão subestimadas, considera.
Até teve de haver 29 perguntas
As despesas do programa de Mário Centeno em 2015 eram, da mesma forma, criticadas pelo PSD. Porque eram tais que não permitiriam respeitar as regras orçamentais europeias. É preciso saber, atirava o social-democrata Marco António Costa, que “a despesa que se pretende realizar se enquadra naquilo que são as regras e os objetivos a que estamos obrigados, nesse domínio, ao nível europeu”.
O então porta-voz do PSD quis mesmo respostas. Mandou 29 perguntas ao PS, para tentar desmontar as promessas do rival socialista. Devolver os cortes salariais na Função Pública de forma mais acelerada e eliminar, também mais rapidamente, a sobretaxa do IRS, a par da descida do IVA na restauração para 13% faziam parte do leque de propostas apresentado pelos peritos chamados pelo PS. Antecipava-se um crescimento médio de 2,6% ao ano, com a chegada a um défice de 0,9% em 2019.
Aliás, na altura, o partido então liderado por Pedro Passos Coelho queria que a UTAO – Unidade Técnica de Apoio Orçamental fizesse uma avaliação às propostas dos peritos do PS. Mais uma vez, queria que houvesse alguém a dizer que não eram propostas reais.
“Gastar o que não temos porque, no futuro, outros pagarão a conta”, reprovou o deputado José Matos Correia, na altura vice-presidente do PSD. “Não é uma alternativa real, é uma pseudo-alternativa”.
O próprio primeiro-ministro de então deixou críticas à política proposta. “Ficámos a saber que é neutra, não custa nada, não sei porque é que a gente não fez”. Ou ainda: "É correr o risco de ainda ter mais défice e mais dívida, porque milagrosamente o que nunca ninguém resolveu em parte nenhuma do mundo, o PS vai aqui resolver, que é pôr a economia a crescer sem criar dívida, distribuindo dinheiro por toda a gente. Quem é que acredita nisto? Eu não acredito. Julgo que do ponto de vista orçamental é arriscado e do ponto de vista do modelo de desenvolvimento económico é errado”.
“Não há milagres. Nada do que aqui está tenta transformar milagrosamente a economia portuguesa. Não há aqui nenhuma promessa vã nesse sentido”, defendeu Centeno numa entrevista dada ao Jornal de Negócios naquele ano.
Agora, em 2019, o atual ministro das Finanças considera que é do PSD que vêm milagres - aquela frase ao Público em que refere "o habitual milagre do corte da despesa".
A redução da carga fiscal é central para Rio, com cortes nas taxas de IRC, IRS, IMI e ainda (no IRS, a salários até 3 mil euros mensais, para as empresas baixar de 21% para 17% até 2021). Também haverá investimento público mais significativo. São medidas na área que mais criticam de inação o Executivo de António Costa.
Explicações nunca são suficientes
Mas as considerações feitas por Centeno sobre os números de Rio também podem ser vistas com os óculos que também viram as declarações sociais-democratas ao seu programa de estabilidade 2019-2023, em abril passado.
O social-democrata Duarte Pacheco considerou que o programa do Governo não era explicativo, e não concretizava medidas: “O que temos com este documento é um grande buraco negro, uma incerteza”.
"Está aberto um buraco negro", respondeu João Paulo Correia a este programa macroeconómico social-democrata.
Foi também com dúvidas que Centeno fica quando olha para o cenário definido pelo PSD de Rui Rio e para as reduções nas despesas, sobretudo nas despesas intermédias. “É preciso saber onde é que esses cortes vão ser feitos”, disse ao Público.
As incertezas dos partidos opositores ficam sempre. Seja em que ano for.