Não foi à primeira, nem à segunda, nem à terceira e vamos ver se é à quarta. Esta terça-feira, após mais um debate quinzenal com o primeiro-ministro, os deputados que fazem parte do grupo de trabalho que está a tentar construir uma nova Lei de Bases da Saúde subirão às salas das comissões, no Parlamento, para finalmente votarem a base mais polémica de todas: a que vai, ou não, prever a existência de parcerias público-privadas (PPP) no futuro. Se não pedirem novos adiamentos - como já aconteceu por três vezes, a última delas há exatamente uma semana - é agora que vai haver, finalmente, fumo branco na Lei de Bases da Saúde.
Qual é a dúvida?
A dúvida é uma e é muito clara: todo o processo, que tem vindo a ser negociado à esquerda, está bloqueado pela questão das PPP. À partida, Bloco de Esquerda e PCP rejeitavam liminarmente que este tipo de contratos com os privados pudesse existir, argumentando que isto seria em benefício dos grandes grupos económicos e que portanto essa porta deveria ficar fechada sem margem para dúvidas. Para o PS, não é assim: os socialistas defendem - ou, pelo menos, defenderam após uma série de conversações em que o Bloco deu por fechado o acordo para acabar com as PPP e os socialistas responderam que apenas tinham considerado a hipótese em documentos de trabalho - que a Lei de Bases não deve proibir, mas apenas limitar, estes contratos.
Como é que se desbloqueia o impasse?
Essa é a pergunta chave: têm-se sucedido propostas de alteração, umas mais de substância e outras de semântica, de todos os partidos. Mas até agora nenhuma convenceu. Na semana passada, quando o PS pediu pela última vez para adiar as votações, o Bloco de Esquerda propunha que se deixasse cair qualquer referência às PPP, permitindo que se aprovasse já a Lei de Bases da Saúde e que depois, no futuro, se voltasse a essa discussão em particular. O PCP continuava a defender a proibição da gestão privada na Saúde, embora não da prestação de cuidados de Saúde por privados se necessário. E ambos defendiam a revogação do decreto-lei de Durão Barroso, de 2002, que regulamenta as PPP.
Já o PS surgiu com uma proposta de alteração de última hora com uma formulação ligeiramente mais restritiva (por esta altura, a redação já coloca ressalvas para a realização de PPP como acontecer apenas de forma “excecional”, “temporária”, “supletiva”, através de “contrato de direito público”, etc, etc) e propondo a regulamentação destes contratos na próxima legislatura. Mas a esquerda não viu com bons olhos o facto de o PS querer deixar a porta aberta para continuar a celebrar acordos deste tipo com o privado - fonte do Bloco de Esquerda comentava ao Expresso que tudo não passava de uma alteração cosmética da parte do PS, embora os dois partidos mais à esquerda garantissem que queriam continuar a negociar “até ao último minuto”.
E os partidos querem mesmo chegar a acordo?
As acusações são mútuas e subiram de tom na semana passada, quando Carlos César, líder parlamentar do PS, veio pôr em cima da mesa a hipótese de a Lei de Bases ficar para a próxima legislatura, quando os socialistas já tiverem pedido “força” nas eleições de outubro para aprovar boas leis. Isto seria, defendia César, culpa da esquerda, que a não aprovar toda uma lei-quadro apenas por causa das PPP estaria a cometer um “erro indesculpável”.
Ora os parceiros não gostaram das declarações e levantaram suspeitas sobre se o PS teria verdadeira vontade de chegar a consenso. Ao Expresso, este sábado, o líder da bancada bloquista, Pedro Filipe Soares, lamentava o que dizia parecer uma “desistência da fase dos consensos” da parte dos socialistas. Já João Oliveira, no PCP, descrevia um PS em modo “mãos livres”, com um “sentimento de autossuficiência” que estaria a dar aos socialistas a ilusão de poderem dar os parceiros como “dispensados”.
Então e a direita?
A direita começou por ser colocada fora da fotografia pelos socialistas, incluindo o próprio primeiro-ministro, que uma e outra vez garantiram querer fazer uma Lei de Bases à esquerda, com os “verdadeiros defensores do SNS” - o argumento que o PS tem agitado sobre os parceiros tem sido, aliás, que a sua atual proposta é melhor do que ficar com a lei que está em vigor desde 1990, dos tempos de Cavaco Silva. Apesar disto, na semana passada Carlos César dizia que ninguém está posto de parte nas negociações. Importa lembrar que o PS já teve avisos do Presidente da República sobre uma Lei de Bases à esquerda: Marcelo Rebelo de Sousa não quer que a porta fique definitivamente fechada em relação às PPP.