O presidente da Câmara do Porto defendeu, esta segunda-feira, que a única forma de descentralizar é avançar com uma “regionalização política”, dando liberdade a cada uma das regiões para referendar essa decisão. “Eu continuo a estar convicto que a única forma de ter descentralização é termos uma regionalização política, porque é a regionalização política que nos vai dar os argumentos para que as verdadeiras competências passem”, afirmou Rui Moreira, no decurso da Assembleia Municipal extraordinária que confirmou a recusa de novas competências previstas na descentralização em curso.
O autarca rejeita a ideia de uma “regionalização administrativa” e considera que a decisão deve ser tomada por cada uma das regiões. “Quando se fizer esse referendo em cada uma das regiões, sejamos nós a decidir. E se a região Norte quiser e a região Centro não quer, amigo não empata amigo, deixem-nos ser uma região. Não há problema, nós já temos os Açores e a Madeira”, argumenta Moreira, citado pela Lusa.
“Se nós não tivermos esse tipo de regionalização, um dia o que as pessoas vão querer é a autonomia”, prosseguiu Rui Moreira, que reiterou a convicção de que este processo de descentralização se resume, nesta altura, à transferência de tarefas. “Transformarem-nos em subdireções regionais, ainda por cima sub-orçamentadas, não é a descentralização que nós queremos. Não vale a pena”, sustenta, lembrando que algumas das propostas que os municípios fizeram na Cimeira de Sintra não tinham nenhum custo para o Estado e ainda assim não avançaram.
O autarca respondeu assim à intervenção de Pedro Braga de Carvalho, que considerou que “aquele [Rui Moreira] que tantas vezes usa o verbo descentralização, não pode demitir-se da ação”. Para Rui Moreira, “o problema é que os partidos políticos vivem hoje numa interdependência com os quadros superiores da administração pública”, invocando a série britânica de sátira política 'Yes Minister'. “Aparece sempre alguém que diz 'sim', 'sim' aos ministros e depois fazem o contrário. Se querem ser 'yes minister' não me peçam para participar. Depois faremos a análise”, declarou.
Durante a sua intervenção, Pedro Braga de Carvalho lamentou que o executivo não tenha feito uma análise, caso a caso, dos diplomas setoriais, e desafiou Moreira aproveitar esta oportunidade para acabar com os “yes minister”. A deputada do Bloco de Esquerda Susana Constante Pereira defendeu que esta descentralização mais não é que uma “municipalização das funções sociais do Estado” que põe em causa a resposta universal do país em matérias como a educação, a saúde ou a ação social, onde compete ao Estado garantir a inclusão.
Já o PSD culpou o ministro da Administração Interna pela “trapalhada” em que está envolto o processo de descentralização, sublinhando que “a culpa não pode morrer solteira”. O deputado e líder da Distrital laranja do Porto, Alberto Machado, diz que esta foi uma oportunidade perdida, mas também uma “oportunidade para que o próximo Governo do PSD possa implantar a regionalização”. Joana Rodrigues, da CDU, defende que este processo de transferência de competências para os municípios não vai ser acompanhado dos meios ou recursos necessários, pelo que, vai traduzir-se numa redução do investimento público.
A Assembleia Municipal do Porto aprovou ainda a emissão de um acordo favorável à transferência de competências para a Área Metropolitana do Porto (AMP), que tem que ser validada pelas assembleias municipais de todos os municípios.
A quatro dias do prazo para os autarcas se pronunciarem se aceitam ou não a transferência de novas competências do Estado para o Poder Local, multiplicam-se os municípios (136) que rejeitam total ou parcialmente a gestão de novas funções, numa altura em que o Governo ainda não revelou o valor das verbas a transferir do Orçamento do Estado para as áreas de educação, saúde, ação social e cultura.
Isaltino acusa o Governo de transferir as tarefas irritantes
De com o "Jornal de Notícias", apenas 39 municípios aceitarão todas as competências a transferir em 2919, enquanto 13 dos 188 municípios auscultados (ao todo são 278) ainda não decidiram. Entre os que aceitam encontram-se a Câmara de Lisboa e outras 32 autarquias socialistas, como Coimbra, Baião, Elvas ou Portimão. Oeiras é outros dos municípios a aceitar competências, apesar de o independente Isaltino Morais carregar nas críticas ao Governo.
“A montanha pariu um rato”, diz, acusando o Governo de se ter limitado a transferir para os municípios “as tarefas irritantes, resumindo-nos ao papel de guichet”. Setúbal, Serpa, Braga, Gaia, Ponte de Lima, Espinho, Matosinhos, Gondomar, Famalicão, Sintra, Mafra ou Loures são alguns dos municípios que já se pronunciaram pela recusa total, num cartão vermelho ao papel de “tarefeiros” do Governo e por falta de envelopes financeiros à altura das novas competências.
Esta terça-feira, Rui Moreira e Paulo Cunha serão alguns dos oradores de uma conferência, a realizar pelas 14h30, na Fundação Cupertino Miranda, em Famalicão, que tem por tema “Descentralizar as tarefas ou as decisões?”. Para o autarca de Famalicão, eleito pelo PSD, a recusa do seu executivo deve-se ao facto de o Governo ter transferido “tarefas e não competências, ainda por cima desacompanhadas das indispensáveis garantias à sua execução”. Uma descentralização “de faz de conta”, avançou Paulo Cunha ao Expresso.
Pinto Moreira, presidente da Câmara de Espinho, também critica a 'geringonça' pela “falsa descentralização em curso” e pela oportunidade “perdida para o país”, após anos de prometida “descentralização efetiva”. O autarca do PSD não isenta, contudo, de culpas a atual liderança do seu partido, discordando do teor do acordo celebrado por Rui Rio e Álvaro Amato e o Governo.