Política

Marcelo poderá reavaliar sigilo bancário

Governo propôs em 2016 que fossem conhecidas informações sobre depósitos com mais de 50 mil euros, mas Presidente vetou. Neste debate quinzenal, Costa pediu ajuda ao BE para convencer Marcelo a voltar ao tema - e Marcelo responde

FOTO JOSÉ CARLOS carvalho

Passava cerca de uma hora desde o início do debate quinzenal quando o nome de Marcelo Rebelo de Sousa passou a fazer parte da discussão. Era o Bloco de Esquerda que fazia uso da palavra e defendia o levantamento do sigilo bancário, nomeadamente para depósitos acima dos 50 mil euros. E Costa respondia lembrando que o Governo já teve intenção de fazer isso mesmo, mas que foi travado por um veto de Marcelo.

O Presidente da República não perdeu tempo: mal tinha passado uma hora desde o fim do debate, quase em simultâneo com a reunião semanal com o primeiro-ministro, publicou uma nota no site da Presidência sobre este assunto. Marcelo quis "esclarecer dúvidas suscitadas na Assembleia da República, um ano e meio depois dos factos", e "relembrou" que vetou o diploma do Governo em setembro de 2016 "permitindo a troca automática de informação financeira [entre os bancos e a Autoridade Tributária] sobre depósitos bancários superiores a 50 mil euros, invocando como principal razão a situação particularmente grave vivida então pela banca portuguesa".

Com a publicação da nota, o Presidente dá a entender que o contexto do veto foi a situação grave da banca "então" vivida, ou seja, naquele momento. Com a mudança de contexto, o Presidente pode esrtar aberto a reavaliar a questão.

Durante o debate, António Costa chegou a pedir a "ajuda" do BE para convencer Marcelo a voltar ao tema do levantamento do sigilo bancário. Mas, como recorda a nota do Presidente, a razão principal invocada na altura já não se verifica: Marcelo falava, no texto que justificava o veto, da "situação particularmente grave vivida então pela banca portuguesa" e de um caso de "patente inoportunidade política", numa altura em que estava em curso "uma muito sensível consolidação do nosso sistema bancário". Ainda esta semana, em entrevista ao Público e à Renascença, o Presidente disse já terem sido "consideravelmente" ultrapassadas as suas preocupações com a banca.Um decreto que ia longe demais

Embora esta fosse apresentada como a principal razão para o veto, na época Marcelo colocava outros obstáculos à lei - que começou por se tratar de uma transposição das diretivas comunitárias para quem tivesse contas em países onde não reside, mas cujo âmbito seria alargado a portugueses sem contas fiscais no estrangeiro.

Além de levantar problemas por o decreto "ir mais longe" do que seria suposto de acordo com a regra europeia, Marcelo aludia também aos argumentos da Comissão Nacional de Proteção de Dados, que "questionara a conformidade do novo regime" e do uso de "meios excessivos" para sacrificar "direitos fundamentais", ou seja, controlando a informação de contas sobre as quais não recaíam suspeitas ou indícios de risco.

Para mais, o Presidente argumentava ainda que a alteração proposta pelo Governo não tinha sido objeto de suficiente "debate público". Por todas estas razões - mas sublinhando sobretudo a questão do timing, que neste momento já não se colocará - o chefe de Estado entendia então que a adoção de um novo regime para a banca seria "um fator negativo ou mesmo contraproducente".

No debate quinzenal desta quarta-feira, o BE prometeu trazer o tema do sigilo bancário num agendamento já para dia 17 de maio dedicado ao tema e desafiou os restantes partidos a trazerem propostas e o Governo a "acompanhar" o tema. O PSD pediu, na semana passada, que sejam revelados os nomes dos 50 maiores devedores à Caixa Geral de Depósitos, mas o banco invocou o sigilo bancário para não o fazer.