Onde fez o seu percurso escolar?
Até entrar para a Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL), estudei em Carcavelos, sempre em escolas públicas.
Como surge o Direito?
Por vontade própria. Sempre tive um perfil de humanísticas. Gostava muito de filosofia e história, mas na época eu achava que gostava muito de ir para diplomacia e Direito era o curso que podia permitir-me lá chegar.
Era uma menina bem comportada?
Era, tenho que admitir. E não me orgulho disso.
Porquê?
Porque não me orgulho...Era muito boa aluna, era a melhor da turma...
Mesmo na Faculdade?
Em Direito era a segunda melhor. O melhor era o meu amigo Tiago Duarte, que é professor na Universidade Nova. Ele terminou com media de 17 e eu terminei com 16.
Era marrona?
Eu acho que não, mas às vezes chamavam-me marrona.
Iniciou a escola muito cedo…
Fiz os cinco anos em abril e em outubro desse ano a minha vizinha de cima, que era professora primária, como ia ter turma de primeiro ano, pediu à minha mãe para levar-me com ela, só para experimentar. Adorei. Adorei ir para a escola. A professora disse à minha mãe que o melhor era comprar os livros e fazer a matricula porque eu tinha capacidade para continuar. No final da quarta classe fizeram-me um exame oral, sem eu saber, para perceber se podia transitar para a preparatória. E a partir daí andei sempre um ano adiantada em relação aos meus colegas.
Quando é que começou a envolver-se mais na vida académica?
No 10º ano fiz parte de uma lista concorrente à associação. Eu não era a cabeça de lista, mas fui eu que participei no debate, porque já na altura achavam que eu era explicadinha a falar. Mas perdemos as eleições. E não me meti em mais nada até ao segundo ano da faculdade.
Faz parte de uma lista candidata à associação académica.
Sim, era a lista K, cheia de gente conhecida. O João Tiago Silveira, o Marcos Perestrello, Sérgio Sousa Pinto e mais uns quantos.
Todos ligados ao PS.
Sim, sou filiada na Juventude Socialista desde 1990 ou 91 e no PS desde 1995.
Como é que vai parar à JS?
A minha família é de esquerda, embora nunca ninguém fosse filiado. Sendo eu de esquerda pareceu-me que o PS era o partido mais próximo daquilo que eu pensava.
Mas quem a levou a inscrever-se na JS?
Fui-me inscrever sozinha na sede da JS, que na altura era na Almirante Reis, num sitio bastante mal frequentado, onde uma menina às sete da tarde já não devia ir. Não tenho nada aquela visão de que estar ligado aos partidos é mau e só quem não está ligado aos partidos é que dá garantias de imparcialidade e de ser impoluto. E também acho que a intervenção política não tem de passar só pelos partidos.
Na altura a forma mais natural de fazer intervenção a nível académico era através das juventudes partidárias...
Sim. Depois tive uma fase mais ativa. Fui fundadora do núcleo de estudantes socialistas da FDUL, que foi criado em 1991 e da qual fui coordenadora. Teve um pico muito grande naquela altura e agora está completamente desativado.
Esse pico coincide com a contestação ao professor Soares Martinez?
Exato. No meu 5º ano, em 1994-95, ele dava uma cadeira semestral chamada Filosofia do Direito, que era obrigatória. Eu não escondo que tendo estado a minha mãe presa pela PIDE e sendo eu profundamente antifascista, profundamente anti tudo o que o antigo regime representava e representa ainda hoje, havia uma predisposição da minha parte contra o Soares Martinez, que foi ministro de Salazar. Depois, ele comportava-se de forma um bocado autoritária também na faculdade. Foi-se criando um sentimento de injustiça para com uma série de coisas que estavam a acontecer nas orais dele, que levou um grupo grande de pessoas do meu ano, nas quais me incluo, a revoltar-se e pedir a intervenção do conselho cientifico. Ajudou ao bom sucesso da nossa revolta o facto do grupo dos mais mexidos ser um grupo de muito bons alunos.
Liderou esse processo?
Eu e mais duas ou três pessoas.
É uma líder nata?
Não quero dizer isso assim. Sou destemida.
Qual é a coisa que mais preza?
A igualdade e a justiça. O tratamento desigual e a injustiça perturbam-me muito. E às vezes quando essas coisas estão em causa, avanço.
Mas destacou-se e chegou a ser feito na altura um perfil seu na Revista do Expresso…
Aquilo começou a ter cobertura mediática, depois do Miguel Sousa Tavares ter escrito no Publico qualquer coisa do género “O quê, o prof. Martinez ainda existe?” Foi o rastilho para a Comunicação Social pegar no assunto e ao mesmo tempo, deu-nos gás. À saída de uma reunião eu disse “bem temos de pensar em…” e as pessoas naquele momento calam-se e ouvem. Foi precisamente esse momento que apareceu na televisão. O jornalista do Expresso telefona-me depois disso.
Nunca fez oral com Martinez…
Não, eu tinha dispensado da oral com 12 valores. Mas queria fazer melhoria e era para ir fazer uma oral sobre existencialismo no direito. Mas deu-se aquilo, depois ele ia fazer 70 anos, ia jubilar-se e era o último ano que ia dar aulas..., depois as orais foram feitas por outro professor por decisão do conselho científico.
Quando acaba o curso concorre para assistente e entra para a carreira universitária. Era isso que ambicionava?
Quando terminei o curso era óbvio para mim que queria ficar na faculdade a dar aulas. Adoro dar aulas. É o que gosto mais de fazer do ponto de vista profissional. Gosto da interação com os alunos, gosto de falar, sou faladora.
Nessa altura já tinha o bichinho da política?
Se disser que não tinha de todo, não é verdade. Mas não tinha ambição politica.
É casada com João Miranda, filho do constitucionalista Jorge Miranda.
Sim, conheci-o na faculdade. Casamos em 1998. Em 2002 tivemos a primeira filha e em 2005 a segunda. Ponto.
Foi adjunta de gabinete do secretaria do Estado da Presidência do Conselho de Ministros (PCM), entre 1997 e 99. Como surgiu o convite?
A PCM sempre teve a tradição de ir buscar assistentes à FDUL. Há uma certa base de recrutamento na FDUL. Na altura o João Tiago Silveira já era adjunto de gabinete. Aconteceu naturalmente.
Se fosse convidada por um governo PSD aceitaria?
Não. Isso não se colocaria nunca. E digo mais, havia na altura uma tradição na PCM de oferecer um estagio ao melhor aluno da FDUL. Eu não era a melhor aluna, mas se fosse e se o governo fosse do PSD, mesmo estando a entrar por ter sido a melhor aluna, nunca aceitaria. Tal como nunca aceitaria ter um cargo dirigente da função pública num governo PSD.
Porquê?
Porque quando uma pessoa aceita um cargo desses tem que aceitar que vai ser leal e comprometida e engajada com a pessoa que a convida. Para mim o trabalho de adjunto num gabinete não é só trabalho técnico. Tem sempre uma componente de trabalho politico, pelas conversas que ouve, pelos assuntos em que está dentro. Por exemplo, no meu gabinete a informação circula livremente, os meus adjuntos sabem tudo ou quase tudo o que se passa, não espero menos do que uma lealdade absoluta de todos, porque eu também como adjunta nunca daria menos do que uma lealdade absoluta. Ora, eu sei que era incapaz de ter esse engajamento se não concordasse com as políticas.
Ou seja, se fosse convidada pelo PSD ou CDS não aceitaria. E se fosse por um governo do PCP ou do BE?
Confesso que nunca configurei da mesma forma essa questão. Não lhe sei responder de forma tão perentória.
Como surge convite para secretaria de estado da educação?
Sou amiga do ministro.
Como se conheceram?
O ministro é um amigo próximo e antigo do meu marido. Conheceram-se em criança nas férias ,em Moledo.
Não hesitou?
Sempre escrevi na área da contratação publica. Doutorei-me em 2011 e dois anos depois percebi que estava farta de escrever sobre contratação publica e decidi escrever sobre direito de educação, ao qual cheguei por causa dos contratos associação…a vida dá muitas voltas.
Explique melhor.
Eu chego ao direito de educação através do estudo de um tipo de contrato administrativo que é o contrato de associação. Como em tempos tinha tido uma questão jurídica que tinha resolvido no âmbito do CEJUR sobre contrato associação, resolvi começar a pensar sobre isso. Inclusivamente a revista da qual muito me orgulho de ser fundadora, a EPublica, tem um segundo numero sobre direito de educação. É um tema que sempre me interessou, mesmo muito antes de se pensar que vinha aqui parar.
Quando é que o ministro a convida?
Uns cinco dias antes da posse. Aceitei dois dias depois, foi para aí de uma quinta para um sábado.
O que pesou mais?
Muito claramente o que pesou muito, mas não pesou definitivamente porque estou aqui, foi a minha vida familiar.
O que mais temia?
O que está a acontecer. Passar muito pouco tempo com as minhas filhas.
Elas reclamam?
A mais velha que já tem 14 anos, não, a mais nova que está prestes a fazer 11 anos, queixa-se um bocadinho.
Já sabemos que o que pesou contra foi a vida familiar e o que pesou a favor?
Eu já sabia, por causa do ano em que fui subdiretora do centro jurídico da PCM, o peso enorme que em termos de tempo, trabalho e preocupações tem um cargo executivo. E por isso acho que são cargos para os quais é preciso ter um bocado de estaleca, e achei que ou fazia isto agora ou provavelmente já não ia fazer nunca, porque depois a pessoa está cansada. Por outro lado, eu tinha-me vinculado à FDUL há pouco tempo e portanto desse ponto de vista estou estável porque volto para lá quando eu quiser.
Custou-lhe deixar de dar aulas?
Muito. Ia chorando quando me despedi dos meus alunos, e sinto saudades de dar aulas, mas também sei que é aquilo que voltarei a fazer. Tenho lá sempre isso. Nunca estive só a dar aulas, nunca. Estive a dar aulas e adjunta do PCM, estive no CEJUR e no conselho consultivo. Esta é a exceção. Mas se me perguntarem o que eu sou, eu escrevo, docente universitária. É o que sou.
Como é que o ministro a convenceu?
Eu já sabia que tinha uma enorme sintonia politico com o ministro sobre o entendimento do que deve ser o sistema de ensino. Conhecia-o há muito tempo, sabia o pensamento dele. Portanto temos uma sintonia pessoal e politica. Não é concordar 100% das vezes, mas ter sintonia.
Quando ele falou em acabar com os exames, estava em sintonia, ou foi uma ideia sua?
Foi ideia dele, com a qual concordo porque sou contra exames.
Todo o tipo de exames?
Na faculdade não. Vamos deixar o ensino universitário fora disto. Eventualmente um exame de 12ª ano como saída e no 9º por ser ano de transição, podem fazer sentido. Qualquer momento anterior ao 9º ano não faz sentido e então o do 4º ano, é uma inutilidade.
As suas filhas estão em escolas publicas?
Neste momento não. Elas estiveram até ao quarto ano, neste momento não estão por uma única razão, porque fiz uma opção por um projeto internacional e elas estão na Escola Alemã. A mais-valia é aprenderem duas línguas mãe, porque na realidade eles aprendem o inglês quase como língua mãe. As portas que isso abre do ponto de vista internacional são enormes. Se a opção não fosse por uma escola com currículo internacional, claramente estavam no ensino publico.
Esta medida de acabar com os contrato associação é ideia sua?
É. Falei com o ministro antes de aceitar. É publico que já tinha escrito pelo menos três vezes sobre este assunto. conhecia muito bem a realidade jurídica e razoavelmente a realidade fática. Não podia estar neste lugar e não o fazer. Não era opção para mim.
Acha que esta medida tem o apoio da maioria da opinião publica?
Estou firmemente convencida disso. Pelo que leio, pelo que ouço nas rádios, pelo que ouço na rua, pelo que falo na rua, ou por SMS. Estou mesmo convencida de que isto tem um largo apoio público. Agora há de certeza nas redes sociais quem diga mal de mim. mas não li.
Neste dossiê se pudesse voltar atrás fazia tudo igual?
Sim.
Mas fazem-lhe a critica de que o estudo da rede foi feito nos gabinetes e com recurso ao Google Maps.
Isto parte de um estudo feito pelos serviços do ministério, que tem cinco delegações regionais, esses delegados regionais conhecem o terreno muito bem. A análise parte dai. Depois ouvimos os diretores de escola, que conhecem o terreno obviamente. Se me perguntam se me meti no carro e fui visitar cada uma das escolas, não, não fui.
Já ouviu coisas feias. Teve uma má receção na Mealhada. O que mais a magoou?
Na Mealhada procurei não ouvir nada. Por outro lado, sou redes sociais excluída, não tenho Facebook, não vou ao Twitter, etc, e os meus assessores são muitos queridos, filtram imenso e só mandam o que é bom. Tenho noção disso. Mas posso dizer que o que me magoou mais neste processo até agora, e muito, profundamente, foi uns pais chamarem-me fria e calculista. Não sou. Nada.
Estava à espera desta exposição mediática?
Nunca menosprezei a importância dos contrato associação, mas não pensei que chegasse ao ponto a que chegou aqui há duas ou três semanas, em termos de cobertura mediática. anseio para que isto passe e o meu trabalho volte a uma certa normalidade.
Recebeu muitas criticas da família e amigos depois de aparecer na televisão?
Sim, muitas mensagens de apoio, sobretudo depois da entrevista com a Judite de Sousa. Havia amigos meus que nem sequer sabiam ou tinham apercebido que era secretária de estado!
Gostou de se ver?
Não gosto de me ver demasiado maquilhada. Odeio mesmo. Não pareço eu. Mas depois de uma, duas vezes, disse chega. Não vou mudar nada em mim por causa do cargo.
É pessoa para reconhecer os erros, para fazer mea culpa?
Perfeitamente. Sempre pedi desculpa com muita facilidade.
Mas consta que é difícil convencerem-na a mudar de opinião, dado o seu poder argumentativo.
Para eu fazer alguma coisa é porque já pensei muito sobre ela. Por isso é mais difícil demoverem-me. Não é fácil que me digam, não viste aquilo. Mas acontece. Não gosto que digam que sou imponderada, porque eu penso e estudo imenso as coisas.
Se chegarmos a setembro e tivermos problemas graves com turmas, é capaz de dar o braço a torcer e voltar atrás em alguma coisa?
Relativamente a este processo, há dois momentos diferentes. O momento da sua idealização e da sua operação. Quanto ao momento da idealização estou muito segura. Muito. Quando se fala em operacionalização… eu lido mal com aquilo que não consigo dominar. Ou melhor, eu lido mal quando o sucesso de uma medida não depende só de mim. Como é evidente isto não depende só de mim.
É uma líder nata mas trabalhar em equipa não é fácil para si.
Durante muito tempo da minha vida eu disse de facto que não era boa a trabalhar em equipa. Eu era aquele tipo de aluna que odiava trabalhos de grupo. Porque sistematicamente acabava a faze-los sozinha, ou porque achava que estava mal feito ou porque simplesmente os outros não faziam muito. Mas acho que desenvolvi essa capacidade na vida profissional.
Tem necessidade de controlar as coisas?
Sim, sou um bocadinho controladora. Gosto de me sentir perfeitamente segura. Sou exaustiva a analisar as coisas, exatamente porque não gosto de ser apanhada por alguma coisa que não tenha visto. Mas não me considero perfeccionista.
Qual o seu pior defeito?
Sou um bocado impulsiva (mas também não sei se isso é um defeito). E às vezes sou um bocado colérica. Mais familiarmente do que no trabalho. Sou um bocadinho intolerante, mas já fui mais, a intolerância é uma prova de imaturidade.
Com o que é que se irrita mais?
Com a preguiça. E irrito-me muito com a injustiça e com a incapacidade das pessoas se colocarem na posição dos outros. Irrito-me com a circunstância das pessoas não perceberem muitas vezes que as prerrogativas de uns são muitas vezes a pobreza dos outros.
E qual é a sua maior qualidade?
Ser muita justa e nunca mentir.
Não é arriscado num quadro politico dizer que nunca mente?
Eu nunca minto.
Como lida com a geringonça?
Muito bem.
E lida bem com os “Mários Nogueiras” desta vida?
Muito bem.
Que opinião tem de Jerónimo de Sousa e Catarina Martins?
Não conheço pessoalmente nem um nem outro. Mas lido muito bem com a geringonça porque gosto de um PS a governar a esquerda.
Já conhecia António Costa?
Já porque participei em jantares de apoio para a CML.
Que opinião tem dele?
Muito boa.
Acha que está no lugar certo?
Acho.
Esta geringonça é para durar?
(risos) Tenho dificuldade em responder a isso, mas acho que é.
E o seu ministro?
O meu ministro é para durar o tempo que a geringonça durar.
Mas sabe que há remodelações…
Sei e também sei que quanto mais contestado é o ministro, menos o seu primeiro-ministro da a cabeça dele.