"No fundo, acho que sempre fui comunista, desde que tenho cabeça para pensar. A minha opção foi tomada muito cedo, sem dúvida nenhuma." É com esta frase, dita por Maria Eugénia Cunhal, que o secretariado do Comité Central do PCP dá nota "com profunda mágoa e tristeza" do falecimento da irmã mais nova de Álvaro Cunhal.
Nascida em Lisboa a 17 de janeiro de 1927, foi professora de inglês, tradutora, jornalista e escritora. Tem cinco livros publicados e são delas as primeiras traduções dos contos de Tchekov para português. Continuava a dedicar-se à atividade partidária, integrando o Sector Intelectual-Artes e Letras da Organização Regional de Lisboa do PC. A última vez que participou numa cerimónia pública foi por ocasião do lançamento da candidatura presidencial de Edgar Silva.
A direção comunista destaca "uma vida dedicada à luta contra o fascismo, pela liberdade, contra a exploração capitalista, pela democracia, pela paz, o socialismo e o comunismo" e recorda a sua ligação ao irmão, Álvaro Cunhal, de quem era 14 anos mais nova. "Com apenas dez anos" Eugénia visitava o histórico líder do PCP na prisão e "foi várias vezes detida para interrogatórios, quando o seu irmão Álvaro Cunhal se encontrava na clandestinidade", recorda a direcção comunista.
A única entrevista televisiva de Eugénia Cunhal foi dada à RTP 1, em 2005, à jornalista Judite de Sousa. Mais tarde, colaboraria no livro sobre a vida de Alvaro Cunhal, da mesma jornalista e intitulado "Álvaro, Eugénia e Ana", que pretendia revelar "o homem por detrás do político"
O corpo de Eugénia Cunhal estará em câmara ardente na Sociedade de Instrução e Beneficência "A Voz do Operário", em Lisboa, a partir das 11h desta sexta-feira. O funeral sairá às 11h de sábado, para o cemitério do Alto de São João e a cremação será as 12h.
Em memória de Eugénia Cunhal, aqui ficam dois dos seus poemas que ajudam a defini-la. Pela sua própria pena.
QUANDO VIERES
Encontrarás tudo como quando partiste.
A mãe bordará a um canto da sala...
Apenas os cabelos mais brancos
E o olhar mais cansado.
O pai fumará o cigarro depois do jantar
E lerá o jornal.
Quando vieres
Só não encontrarás aquela menina de saias curtas
E cabelos entrançados
Que deixaste um dia.
Mas os meus filhos brincarão nos teus joelhos
Como se te tivessem sempre conhecido.
Quando vieres
nenhum de nós dirá nada
mas a mãe largará o bordado
o pai largará o jornal
as crianças os brinquedos
e abriremos para ti os nossos corações.
Pois quando tu vieres
Não és só tu que vens
É todo um mundo novo que despontará lá fora
Quando vieres.
In «Silêncio de Vidro»
Editorial Escritor
BASTASTE TU
Bastou aquele gesto
Da tua mão tocar tão docemente a minha
Pra nascerem raízes
Que me prendem à terra e me alimentam
Nas horas mais vazias
Bastou aquele olhar
- O teu olhar tão brando, prolongando-se um pouco sobre o meu-
Para iluminar as noites em que a lua se esconde
E a escuridão envolve um mundo sem sentido.
Bastou esse teu jeito de sorrir,
Um sorriso em que vejo despontar a confiança
Na vida não vivida, nas emoções ainda não sentidas,
Nos passos que ressoam noutros passos
Bastaste tu.
In «Silêncio de Vidro»
Editorial Escritor