O jornalista Octávio Ribeiro, ex-diretor do “Correio da Manhã” e da CMTV, reconhece em declarações reproduzidas no 5.º episódio do podcast “Entre Deus e o Diabo” (pode ouvir no QR Code em baixo) que, “se não fosse o ‘CM’ e a CMTV, André Ventura teria de ter encontrado outros caminhos. Nós criámos esta figura”, admite, apesar de ressalvar que, antes de fundar o Chega, o radicalismo “não era visível” nas suas intervenções. O líder do Chega foi colunista e comentador do grupo Cofina — sobre casos judiciais e futebol — entre 2014 e 2020, onde ganhou a notoriedade que lhe valeu ser escolhido, em 2017, como candidato do PSD à Câmara de Loures.
A Cofina havia de cortar com o líder do Chega em maio de 2020. A razão para dispensar Ventura foram declarações racistas e xenófobas, explica pela primeira vez Octávio Ribeiro de viva voz: “Como líder do projeto do ‘CM’ e da CMTV, entendi que não era compatível a atuação política e o que dizia André Ventura e o seu lugar” no jornal e na televisão do grupo. “Houve um momento muito desagradável, que foi mandar calar o Quaresma, numa querela com a etnia cigana, mandar a Joacine para África e dar uma entrevista a dizer que não defendia a pena de morte, mas não o chocava. E tudo isso eram linhas vermelhas em qualquer projeto que eu liderasse”, conta o antigo diretor-geral da Cofina.
Até chegar a comentador televisivo, Ventura publicou dois livros e um deles, “A Última Madrugada do Islão”, foi lançado envolvido em polémica, por o autor dizer ter recebido alegadas ameaças de fundamentalistas islâmicos. Nessa época, foi anunciado que o sheik Munir, líder da comunidade islâmica de Lisboa, teria dado um parecer sobre o conteúdo ofensivo do livro para o Islão. O autor faria um lançamento com segurança. Mas o editor não se recorda do caso, o sheik Munir não se lembra do livro, e João Villalobos, coapresentador da obra, diz que mantém um “ceticismo saudável” sobre a história das ameaças.
Nesse contexto, o próprio André Ventura fez um comunicado a dizer que a dada altura chegou a estar “próximo do islamismo”.
Durante esse percurso, conheceu o antigo ministro social-democrata Rui Gomes da Silva: também ex-dirigente do Benfica, o advogado recorda como chegou a ter escritas 200 páginas de um livro, a meias com Ventura, sem vestígios das bandeiras que o líder do Chega agita hoje, como a castração química ou a prisão perpétua. Neste episódio, Ventura confessa que quer acabar os seus dias “num mosteiro”.
Um retrato falado de André Ventura, sobre o caminho contraditório do líder do Chega para o extremismo político. A narrativa, da autoria do jornalista do Expresso Vítor Matos, conta a história de André antes do venturismo, um fura-vidas à procura de uma oportunidade, e que ascende na Igreja, na academia e no comentário, até ceder às tentações da notoriedade e do populismo. Entre Deus e o Diabo, Como André se fez Ventura, é um podcast narrativo de sete episódios com publicação semanal. A partir de 12 de março e a cada domingo será publicado um novo capítulo em todas as plataformas de podcast e em Expresso.pt