Papas de Velázquez furiosos e dementes, homens de fato completo ou em tronco nu, lutadores greco-romanos, toureiros, pugilistas, moribundos, corpos masculinos enquadrados em cubos ou vitrinas, erguidos em plintos, apontados em setas, multiplicados em trípticos, as cores hieráticas, quentes, malsãs, vermelhos e púrpuras, amarelos e laranjas. E as vértebras, os hematomas, a decomposição. Podemos definir o universo de Bacon como chocantemente visível e tendencialmente mórbido, mas uma exposição como “Bacon. En toutes lettres” (que esteve nos últimos meses no Centro Pompidou) ajuda-nos a matizar essas generalizações
Francis Bacon contou que muitos dos seus quadros nasciam das fotografias e recortes que ia acumulando no caos do estúdio londrino, mas admitiu que se entusiasmava também com imagens da grande literatura. A exposição do Pompidou sugere que o imaginário visual de Bacon deve muitíssimo aos livros, e lá estão eles à nossa vista, exemplares da biblioteca pessoal do artista, muito lidos, alguns quase desfeitos, Shakespeare acima de de todos, mas também “Oresteia”, de Ésquilo, e “Humano, Demasiado Humano”, de Nietzsche, “The Waste Land”, de Eliot, e “Espqlho de Tauromaquias”, de Leiris, “Heart of Darkness”, de Conrad, e “A Experiência Interior”, de Bataille. É um imaginário violento, que vai da tragédia grega ao anti-humanismo, ao modernismo anglo-americano e às vanguardas francesas. Bacon interessava-se por esses e outros extremismos, só os extremismos o impressionavam. Dos livros aos quadros, dos quadros aos livros, o mesmo materialismo agónico, o mesmo confronto com a dimensão física e a mesma feroz subjectividade, sem eufemismos nem idealismos.
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