Orçamento do Estado

OE2024: desmontar mitos, fixar realidades

As soluções viáveis só existem num quadro de equilíbrio fiscal e orçamental, cuja defesa o centro-direita, acossado, parece ter abandonado

Na antecâmara do debate orçamental, convém que sejamos capazes de fixar, com verdade, as balizas em que este vai assentar.

Em primeiro lugar, vivemos tempos de incerteza e dificuldade. O aumento da inflação, agora em lento recuo, agravou o custo de vida. E a subida mais rápida de sempre das taxas de juro do BCE teve impactos imediatos, tanto no financiamento da economia como nos orçamentos das famílias que têm crédito à habitação com taxas variáveis. Consequências inevitáveis: desaceleração económica e das perspetivas de crescimento, designadamente na zona euro.

Ninguém tem o direito de desvalorizar as dificuldades, nem das pessoas, nem do contexto financeiro e internacional. Mas nenhum democrata deve tornar negro um diagnóstico do qual também fazem parte elementos positivos – como a resiliência do emprego, da economia e das finanças públicas – nem alimentar a ideia de que há soluções milagrosas para problemas que radicam no quadro internacional.

Mais: as soluções viáveis só existem num quadro de equilíbrio fiscal e orçamental, cuja defesa o centro-direita, acossado, parece ter abandonado. Mas só assim podemos ter recursos sustentáveis – não apenas para apoios a famílias e empresas, mas também para aprofundar prioridades como os rendimentos.

A este respeito, importa dizer que os rendimentos das pessoas e, neste quadro, o desagravamento do IRS, são desde 2015 trave-mestra da estratégia económica e social dos Governos PS. Ao contrário do PSD, não foi a alteração de circunstâncias no último ano que fez nascer uma súbita e conveniente paixão pela prioridade ao desagravamento do IRS.

Em qualquer caso, importa fixar um segundo elemento: ao contrário do mantra repetidamente utilizado pela direita, Portugal tem uma carga fiscal inferior à média europeia. Inferior, não superior.

Os dados do EUROSTAT não deixam margem para dúvidas: a carga fiscal média da UE em 2022 é de 41,7% do PIB sendo em Portugal de 37,6%, quatro pontos percentuais abaixo. Não houve, desde 2015, agravamento de taxas de imposto, e tem aliás havido desagravamentos, por exemplo no IRS – com o fim da sobretaxa, o aumento do mínimo de existência ou a atualização e desdobramento de escalões. Mais emprego, melhores salários, mais contribuições sociais, mais atividade económica, explicam em larga medida o aumento da receita fiscal que tivemos. Todos queremos pagar menos impostos; mas não adianta basear na mentira e na falácia o debate sobre a carga fiscal.

Terceiro elemento para o debate orçamental: ao contrário do que a direita não se cansa de repetir, apesar da dificuldade do contexto internacional, Portugal tem vivido, pela primeira vez neste século, um ciclo de crescimento acima da média UE e acima da zona euro. Acima, não abaixo. E com reforço da competitividade externa.

Aliás, este ciclo continua mesmo quando a economia dos nossos principais parceiros sofre severo abrandamento. As exportações atingiram pela primeira vez os 50% do PIB. O Investimento Direto Estrangeiro atingiu no 1º semestre de 2023 o valor recorde de 174 mil milhões de euros. E Portugal está em 2023 entre os países com maior crescimento.

Finalmente: o equilíbrio orçamental é essencial e a redução da dívida um imperativo estratégico. Em tempos de juros altos e de turbulência internacional, ter margem para prosseguir políticas de apoio à economia e às famílias e reduzir não só os encargos presentes com a dívida mas também a perceção externa do risco do país é fundamental.

É por isso boa notícia a aceleração da redução da dívida pública, porque ela no atual contexto não é inimiga das prioridades sociais. Pelo contrário, o equilíbrio orçamental tem sido desde 2015 aliado e pré-condição desta prioridade e deste caminho.

Em suma: podemos discordar nas prioridades, nas suas hierarquias, nas opções e medidas a tomar. Mas precisamos de partir de pressupostos verdadeiros para este debate. Porque prescindir deles é degradar a qualidade e a credibilidade da democracia e dos políticos, algo ainda mais danoso em tempos de crise e incerteza.