Após o habitual ciclo de negociações prévias à apresentação da proposta de Orçamento do Estado na generalidade, este ano foi marcado por um longo e atribulado processo de negociações entre o Governo de Luís Montenegro e o PS, com atualizações diárias que pareciam saídas de uma telenovela e que culminaram com uma abstenção do PS. A isto seguiu-se o período de disputas políticas nas propostas de especialidade, e entre fait-divers, alianças (in)esperadas, nomeadamente entre o Chega e o PS, com propostas irresponsáveis, finalmente temos Orçamento do Estado para o ano de 2025.
A grande questão que se impõe é: este orçamento serve os interesses dos portugueses e do país, ou é apenas mais um exercício de tática política imediatista? Infelizmente, tudo indica que estamos perante a segunda hipótese.
Este orçamento para além de estar desconectado do programa eleitoral da coligação da Aliança Democrática, sufragado pelos portugueses nas últimas eleições, como também falha em dar um contributo significativo para alcançar as metas de crescimento económico – já por si pouco ambiciosas – prometidas pelo Governo.
É, assim, um Orçamento que não serve os portugueses e que não serve Portugal. Esperava-se um Orçamento que respondesse aos desafios estruturais da nossa economia, que fosse capaz de impulsionar a competitividade das empresas, aliviar a carga fiscal sobre as famílias e reduzir a despesa pública em relação ao PIB, mas, infelizmente, pouco ou nada se altera nestes eixos essenciais.
A Competitividade da Economia
No que diz respeito à competitividade da economia, a redução da taxa marginal de IRC em 1% é praticamente irrelevante, especialmente quando comparada com outras economias europeias pequenas e abertas. Portugal, considerando as derramas, continua a enfrentar uma desvantagem tributária de 10 a 15 pontos percentuais. A tão necessária reforma fiscal, abrangendo o IRC, as derramas e as tributações autónomas, permanece “dentro da gaveta”. Além disso, a instabilidade nas políticas fiscais dirigidas às empresas – relembro que o atual governo tinha a ambição de reduzir a taxa marginal de IRC para 15% durante esta legislatura – envia um sinal negativo às empresas e aos investidores, atrasando decisões de investimento. Neste contexto, os agentes económicos deixam de acreditar que o Governo realmente fará a reforma fiscal, ainda que a anuncie.
A ausência de uma reforma tributária abrangente, aliada à falta de estabilidade e previsibilidade no sistema fiscal, é, sem dúvida, um dos principais fatores que contribuem para o ritmo de crescimento económico lento e amorfo da nossa economia. É profundamente lamentável que este Governo tenha desistido de enfrentar este desafio.
Tributação sobre o Trabalho
No campo da tributação sobre o trabalho, o Orçamento prevê uma atualização de 4,6% nos limites dos escalões de IRS. Embora naturalmente positiva, ajustando os escalões à inflação, esta medida é apenas uma pequena correção de justiça fiscal. Em 2023, a inflação média anual foi de 4,3%, e estima-se que em 2024 ronde os 2,9%, mas as famílias já enfrentaram uma perda significativa de poder de compra. Em 2022, a inflação foi de 7,8% e, no acumulado dos últimos três anos, o nível de preços subiu mais de 15%, claramente acima das atualizações e reduções aplicadas aos primeiros seis escalões de IRS nos últimos Orçamentos.
Por outro lado, a extensão do benefício do IRS Jovem de cinco para dez anos, abrangendo todos os trabalhadores até aos 35 anos, é uma medida cujo impacto será, na melhor das hipóteses, residual. Estima-se um custo de 525 milhões de euros para esta medida, que me parece socialmente injusta, pois beneficia um grupo restrito da população com base numa característica etária. Além disso, contribui pouco para resolver os problemas estruturais que levam os jovens qualificados a abandonar o país, como a falta de emprego compatível com as suas ambições, a dificuldade de progressão profissional e a falta de acesso à habitação.
A Despesa Pública
Portugal vive há décadas sob o peso de um Estado demasiado grande, cuja despesa pública se tem revelado insustentável. Mesmo com uma trajetória positiva nos últimos quatro anos, em 2023 este indicador está ainda nos 42,3% do PIB, quatro a cinco pontos percentuais acima do desejável para uma economia como a nossa. Esta voracidade da máquina do Estado reflete-se diretamente na carga fiscal, que ultrapassa os 37% do PIB, colocando Portugal entre os países europeus com maior esforço fiscal. Este modelo é insustentável, representa um impedimento ao crescimento económico e uma barreira ao progresso dos Portugueses e das empresas.
Se na proposta orçamental apresentada na generalidade as evoluções neste campo eram ténues, com uma total ausência de ideias para reduzir e alterar a composição da despesa pública e permitir investir mais onde é realmente necessário, como na saúde e na educação, a situação agravou-se durante a votação das propostas de alteração na especialidade. A aprovação, promovida pelo PS, com a abstenção do Chega e os votos contra do PSD e da IL, do aumento adicional permanente das pensões em 1,25% – uma medida que abrange 90% dos pensionistas – terá um impacto orçamental superior a 270 milhões de euros anuais.
Embora se compreenda a importância de aumentar as pensões, a verdade é que, em 2023, a despesa com prestações sociais, incluindo as pensões, já representava 17,6% do PIB em Portugal, comparado com uma média de 12,2% em economias concorrentes como a Malta, Eslováquia, Polónia e Irlanda. Aumentar esta despesa sem implementar uma reforma estrutural e credível do sistema de segurança social e de outras prestações sociais compromete a sustentabilidade das finanças públicas e limita significativamente a ação de futuros governos.
Hoje, mais do que nunca, é crucial criar espaço para uma redução fiscal que impulsione a economia. No entanto, a proposta inicial do Governo já previa uma redução da receita fiscal de apenas 0,3 pontos percentuais, uma meta que será difícil de cumprir, considerando o aumento de despesa introduzido pelas propostas aprovadas durante a discussão na especialidade. É provável que o Governo se veja forçado a aumentar a receita fiscal, de forma a não comprometer o equilíbrio orçamental a que se comprometeu com Bruxelas.
Este equilíbrio orçamental torna-se ainda mais premente num contexto internacional marcado pela incerteza, com perspetivas de recessão e crescimento económico reduzido na Europa.
Oportunidades Perdidas
Este Orçamento não apresenta uma estratégia clara para melhorar a competitividade e proteger a economia de choques externos, nem demonstra ambição para transformar o país. Apesar do contexto internacional desafiante, há oportunidades únicas que estão a ser desperdiçadas, como o posicionamento de Portugal na liderança da transição energética na União Europeia, o aproveitamento das alterações geopolíticas e da relocalização das cadeias de valor, o incentivo à instalação de empresas de elevado valor acrescentado ou à indústria mais intensiva em capital, especialmente no Interior, reduzindo a pressão sobre os serviços públicos nas grandes cidades. Também se perdeu a oportunidade de modernizar e digitalizar a Administração Pública, onde se adicionaram mais de 100.000 postos de trabalho na última década, com um custo anual de mais de 3 mil milhões de euros, sem que isso se traduzisse em melhorias significativas no serviço prestado aos cidadãos.
Pelo contrário, o Orçamento do Estado para 2025 parece limitar-se a uma atualização do Orçamento do ano anterior, com medidas avulsas negociadas nos gabinetes do parlamento e na aritmética parlamentar das alterações na especialidade.
Em suma, este orçamento não só abdica da transformação estrutural que o país tanto necessita, como perpetua um modelo de económico e político incapaz de responder aos desafios do presente e de preparar Portugal para o futuro.