Quando, dentro de poucas horas, o leitor estiver a comemorar a entrada num novo ano, convencionalmente África celebrará os 50 anos da sua independência. E diz-se 'convencional' ao considerar-se a década de 60 do século passado como a das independências africanas. A 1 de Janeiro de 1960 surge a República dos Camarões, seguindo-se-lhe mais dezasseis países nesse mesmo ano. Nos anos seguintes outros tantos. Foi um momento, sem dúvida, histórico. Portugal, como se sabe, ficou a ver passar a oportunidade. As consequências, essas, ainda hoje perduram... Mas voltando ao tema, a simplificação dos 50 anos da independência de África é uma forma simbólica de localizar no tempo essa etapa decisiva. Na realidade, embora poucos, alguns países africanos já haviam deixado de ser colónias, primeiro no séc. XIX com o caso excepcional da Libéria, depois, no início do século seguinte, a África do Sul, mais tarde a Etiópia, os países do Norte de África, e só então a África subsariana: o Sudão em 1956, o Gana em 1957 e, no ano seguinte, a Guiné-Conacri. Meio século depois, as comemorações desta efeméride vão suceder-se, e num ambiente, por coincidência, bastante estimulante. Colóquios e conferências anunciam-se um pouco por todo o lado, livros e artigos suceder-se-ão. Ponto comum: balanço. Balanço do ponto de vista económico, político, das relações internacionais, etc. Neo-colonialismo e globalização estarão presentes no debate. Espera-se que autoritarismo, economias rendeiras, corrupção, etc., também estejam. O politicamente correcto acompanhará o discurso oficial, mais virado para o passado, para o legado histórico. Mas esta é uma excelente ocasião. De há alguns anos para cá, África, particularmente a subsariana, tem sido alvo de um crescente interesse. Há como que uma nova corrida a África, envolvendo, por razões algumas similares outras nem tanto, novos países. Da China aos Estados Unidos, passando pelo Brasil e Índia, entre outros, o continente africano ressurge. Desde sempre que este espaço não tem ficado incólume a pressões e interesses externos. Guerras civis estalaram, combinando influências externas e interesses internos. Nenhuma 'jóia da coroa' passou impune: a portuguesa (Angola), a francesa (Costa do Marfim) e a inglesa (Quénia), embora com intensidades diferentes. Mas se compararmos esta África com o início dos anos 60 estamos a falar, felizmente, de realidades bem distintas. Os avanços são inquestionáveis, e não são as ainda persistentes pobreza e instabilidade que podem negar essas diferenças substanciais. Muito haverá a fazer nos domínios político e cívico. É urgente acabar com a extroversão completamente dependente das matérias-primas. Mesmo assim há que aproveitar a nova corrida a África, pois ela pode tornar-se uma oportunidade. Para um país dificilmente se pode dizer que será a última. Mas não agarrá-la significará esperar mais umas décadas para então se fazer novo balanço. E isso seria simplesmente trágico.
*Professor do ISEG
Texto publicado na edição do Expresso de 31 de Dezembro de 2009