Crónica

Para ganhar é preciso mexer no que resulta

Na crónica ‘Sem Preço’ desta semana, a jornalista Catarina Nunes escreve sobre os segredos da estrela Michelin do Kabuki Lisboa

Paulo Alves (à dir.) dirige a cozinha do Kabuki desde maio de 2022, acompanhado por Gilberto Silva (à esq.) e Sebastião Coutinho (ao centro)
GONCALO F SANTOS

Num ano, muita coisa acontece. Ou fica por acontecer. Ou acontece tudo e mais alguma coisa e o seu contrário, e arrancamos para o ano seguinte sem conseguir dizer se o anterior foi construtivo ou arrasador. Sei do que falo. É um tipo de ano que me é familiar e 2022 não foi exceção.

O nigiri de ovo estrelado e caviar é a referência mais icónica do sushi de fusão do Kabuki
GONCALO F SANTOS

Será algo semelhante o que os responsáveis do Kabuki sentem em relação ao ano passado. O grupo espanhol de sushi ganha a primeira estrela Michelin em Portugal, um ano depois de inaugurar o restaurante nas Galerias do Ritz - com o conceito idêntico (sushi de fusão mediterrânica) ao seguido em Espanha - e menos de um ano depois de trocar de chef e afastar-se desse conceito em Lisboa, o mesmo que já tinha valido ao Kabuki em Madrid uma estrela Michelin, em 2009, e que o faz perder a estrela em novembro passado, na última edição do guia mais cobiçado por chefs e empresários da restauração.

Confuso? Bastante. E, pelo meio, o grupo ainda teve de lidar com a separação de sócios e a consequente divisão de propriedade dos restaurantes Kabuki em Espanha. Mas vamos por partes. Primeiro, o espaço nas Galerias do Ritz, que engrossa a lista de ‘estrelados’ portugueses no Guia Michelin e que se divide em três pisos (Restaurante, Bar e Experience). A cozinha do Kabuki Lisboa começa por ser liderada por Andrés Pereda, chef do Grupo Kabuki, que no final de 2021 replica o conceito de sushi de fusão Japão/Mediterrâneo ganhador de estrelas Michelin em alguns dos restaurantes Kabuki em Espanha.

Em Lisboa, o Kabuki segue o estilo Edomae, ‘pai’ do nigiri que na origem tradicional leva uma fatia de peixe maior
GONCALO F SANTOS

Mas acaba por ser nas mãos do português Paulo Alves, que assume o comando em maio de 2022, que ganha a primeira estrela Michelin, ao introduzir uma vertente nacional na carta e um conceito de alta-cozinha japonesa mais purista, que remonta aos séculos 17/18. O estilo Edomae, na base, é o ‘pai’ do nigiri e distingue-se da sua versão contemporânea por ser maior, com uma fatia de peixe mais comprida e larga do que a base de rolo de arroz. Outros dos aspetos distintivos é a utilização de vinagre vermelho (mais aromático e feito com folhas de saquê) em vez de vinagre de arroz, a preparação prolongada das melhores partes do peixe e a obrigatoriedade de ser comido à mão.

Com a entrada de Paulo Alves, entram na carta sabores portugueses como o usuzukuri ‘Bulhão Pato’
GONCALO F SANTOS

A denominação Edomae deriva do local onde o peixe é pescado, na Baía de Tóquio (Edo é o antiga nome de Tóquio e mae significa ‘à beira de’), mas o peixe do Kabuki não tem essa ‘pegada’ de carbono, uma vez que é todo português e de temporada. À mesa, a portugalidade é acentuada com o usuzukuri de ‘Bulhão Pato’ (que ao peixe branco e às ameijoas junta o dito molho) e a ideia é alargar a carta a outros paladares nacionais. Aliás, é a necessidade de adaptação às preferências dos portugueses que determina a aposta do Kabuki Lisboa nas variedades Edomae, sendo o único restaurante do grupo com esta linha em paralelo com o sushi de fusão.

É sabido que o que resulta em Espanha, não resulta necessariamente em Portugal e vice versa. Mas o que aqui está em causa é a apreciação da Michelin, que terá critérios iguais nos dois países, sendo o primeiro deles a criatividade e qualidade da cozinha. Poderá ser uma leitura redutora: a versão adaptada ao sushi Edomae valeu ao Kabuki Lisboa uma estrela Michelin, enquanto o Kabuki Presidente Carmona, em Madrid, perdeu a estrela ganha em 2009, seguindo apenas o estilo de sushi de fusão. Isto, porém, não demove Victor Riego Serrano, diretor de F&B do Grupo Kabuki, que continua a acreditar no conceito de encontro da cultura japonesa com a mediterrânea que desenvolve em Espanha, não tencionando trabalhar o estilo Edomae.

Os nigiris vegetarianos são outras das novas apostas
GONCALO F SANTOS

Em Lisboa, a primeira localização do Grupo Kabuki fora de Espanha, o sushi de fusão não é posto de parte, sendo contemplado na carta e em dois menus de degustação. Existem ainda dois menus vegetarianos e a possibilidade de optar pelas sugestões do chef e da equipa de sala. No piso superior, no espaço Experience são servidos dois menus sazonais, apenas ao almoço ou em marcações de grupos. O espaço (que inclui também um bar) é um dos aspetos referidos no relatório do inspetor do Guia Michelin responsável pela atribuição da estrela, que caracteriza como “longe de ser comum”, “elegante” e de “design contemporâneo”. Mérito do arquiteto espanhol Maurice Sainz, que projeta todos os restaurantes Kabuki.

Apesar de Lisboa estar agora na rota de estrelas Michelin do Kabuki, o grupo tem outros destinos prioritários na estratégia de crescimento. Durante o primeiro semestre de 2023 abrirá um restaurante Kabuki em Madrid e outro em Salamanca, a par com a expansão para o Paris/Charles de Gaulle com um conceito específico para aeroportos (Kirei), que já existe no Terminal 4 em Madrid e nos aeroportos de Málaga e de Ibiza.

A elegância e o design contemporâneo são alguns dos aspetos destacados no relatório do inspetor do Guia Michelin
GONCALO F SANTOS

Fora da gestão do Grupo Kabuki (que além de Lisboa e Madrid, detém uma localização em Valência) estão os dois restaurantes com esta denominação que se encontram em Tenerife e na Gran Canária, na sequência da polémica separação dos dois antigos acionistas do bem-sucedido grupo de sushi. O chef Ricardo Sanz, que em 2000 abre o primeiro Kabuki em Madrid, na avenida Presidente Carmona, segue o caminho a solo e desvincula-se do atual dono, José António Aparício, no final de 2021, coincidindo com a abertura nas Galerias do Ritz. Na restauração como na vida, é preciso perder para ganhar. E aceitar a mudança num ‘ano estranho’.

Kabuki Lisboa

Seleção Edomae (€62, nigiris e hosomakis tradicionais)

Menu Degustação (€100, sete pratos; €135, nove pratos, por pessoa)

Menu Vegan (€80, sete pratos; €100, nove pratos, por pessoa)

Menu Executivo (€45, cru; €40, quente, só ao almoço)

Restaurante (3a feira a sábado, 12h/15h30 e 19h30/24h)

Bar (3a e 4a feira, 12h30/24h; 5a feira a sábado, 12h30/01h)

Experience (3afeira a sábado, 12h30 às 15h)

Encerra ao domingo e 2a feira

Galerias do Ritz

Rua Castilho 77B

Lisboa

Tel: 212 491 683

www.grupokabuki.com