Opinião

A saga da governação

O problema nunca foi ter empresas, foi ocultar factos, escusar-se a dar esclarecimentos e deixar que a história se tornasse um novelo de insinuações e desconfiança

E, de repente, o país mergulha em mais uma crise política.

Mais um governo a cair, mais uma novela sem guionistas competentes e, claro, mais uma desculpa para interromper aquilo que não estava efetivamente a funcionar. Sejamos honestos: a política portuguesa tornou-se um desfile de discursos vazios e ambições desmedidas. O resultado? Um país sem rumo, uma oposição sem coerência e um eleitorado cada vez mais entediado.

Comecemos pelo início.

A queda de António Costa, tão inesperada quanto conveniente, abriu caminho para umas eleições insossas. Com um PSD ressuscitado a custo e um CDS trazido de volta como acessório de moda política, Montenegro arranca uma magra vitória, com pouca margem para grandes festejos. No entanto, o verdadeiro vencedor chamou-se André Ventura que, de um punhado de deputados, passou a ter um exército parlamentar de 50, tornando-se relevante para qualquer aprovação parlamentar e manifestando-se um forte parceiro de oposição do PS em diversos dossiers como foram exemplo disso o IRS, ou as ex-Scuts. O PS, por sua vez, tenta reorganizar-se sob o comando do "jovem turco" Pedro Nuno Santos, mas o partido, que sempre foi reconhecido pela sua disciplina interna, começa a dar sinais de rebelião. Afinal, sem um chefe carismático e na omissão de um projeto definido, o barco socialista também oscila ao sabor das marés.

Mas o grande problema não estava apenas na formação do novo governo, mas sim na sua sobrevivência. A governação "step by step" de Montenegro não apresentava grandes provas de vida, e o desconforto tornou-se evidente. Entre aprovações de orçamento a custo e tensões parlamentares da pré-primária, foi ficando claro que o executivo não teria fôlego para chegar ao fim da legislatura. A comparação com Cavaco Silva, que em tempos converteu uma tímida vitória numa robusta maioria absoluta, revelou-se um otimista devaneio.

No entanto, não foi uma crise de governação que levou Montenegro ao tapete, mas sim um escândalo mal contado, recheado de dúvidas e adornado de omissões. O primeiro-ministro podia ter cortado o mal pela raiz, esclarecido a opinião pública e seguido em frente. Mas não o fez. Preferiu escusar-se, adiar respostas e, numa jogada de mestre da pior estratégia possível, optou por transformar os seus ministros num regimento de defensores da sua vida privada. Num país onde a comunicação social dita grande parte da agenda política, esta opção revelou-se uma escolha suicida.

A Moção de Confiança, em vez de ser um balão de oxigénio, tornou-se a guilhotina onde o Governo se deitou. Ao querer evitar uma Comissão Parlamentar de Inquérito que o poderia dilacerar em lume brando, Montenegro optou pela via rápida para uma nova crise política: convocar novas eleições. Não deixa de ser irónico o primeiro-ministro preferir enfrentar o eleitorado, onde a sua vida privada será o principal ponto de agenda, a enfrentar perguntas desconfortáveis numa comissão parlamentar. É com certeza uma decisão legítima muito embora, convenhamos, pode vir a ser tanto, ou mais, desastrosa.

E agora? Agora temos um país perplexo, uma oposição que ainda não sabe como capitalizar a crise e um eleitorado que, mais do que escolher novos protagonistas, deseja soluções e respostas concretas.

No meio deste espetáculo, só a Iniciativa Liberal teve a clarividência de reconhecer que ninguém quer uma nova ida às urnas. Todos os outros partidos contribuíram com força para o colapso do Governo e, com igual energia, ninguém quer assumir agora essa mesma responsabilidade.

Eis que chegamos ao momento de reflexão.

Os políticos devem "delapidar" todo o seu património de forma "franciscana" para entrar na vida política ativa? claro que não. Devem ter património e negócios próprios? sim, claro que sim. Preocupa-me mais a presença de carreiristas, sem experiência e reféns de "expedientes" do sistema político, do que aqueles que têm uma vida antes da política e tencionam ter uma vida depois de passarem por ela, e que trazem experiência do mundo real. O problema nunca foi ter empresas, foi ocultar factos, escusar-se a dar esclarecimentos e deixar que a história se tornasse um novelo de insinuações e desconfiança.

Como diz o ditado: “à mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Montenegro falhou nisso e perdeu o controlo da narrativa.


Enquanto o mundo se aproxima de um possível conflito global, Portugal está entretido com questões menores, numa espiral de discussões estéreis e politiquice barata. A verdade é que os portugueses não querem eleições, mas sim governantes competentes e respostas objetivas. E, acima de tudo, querem que o próximo ato desta tragicomédia política garanta a estabilidade que o país precisa para acelerar o seu crescimento e contribuir efetivamente para melhorar a vida dos portugueses.