As aulas começam hoje.
Em 24 de julho deste ano, o governo, pela voz do seu Ministro da Educação, esforçava-se por criar a imagem de que o governo anterior tinha aberto 6.000 vagas a mais, dispensáveis e irracionais.
Hoje, na abertura do ano letivo sabe-se que, afinal, o número de alunos e de horários sem professores atribuídos, bem como o número de professores sem escola atribuída estão a aumentar. No final de agosto, havia 19.382 mil professores sem escola. Hoje, há mais de 21 mil.
Só alguém leviano e completamente impreparado desconhece porque é que se abrem mais vagas do que aquelas que resultam da tabela Excel que nos puseram à frente. Quem conhece a sério as escolas públicas do ensino básico e secundário sabe bem que todos os setembros são iguais: aos professores que se aposentam (este ano, até agora, já foram 438!) somam-se aqueles que aguardaram pelo fim das férias escolares para dar entrada de baixa médica e aqueles que não aceitam colocações e horários por não lhes ser possível deslocarem-se ou suportar os custos de habitação dos locais onde foram colocados.
Era suposto que um ministro da Educação soubesse isto.
E, principalmente, era suposto que não fizesse demagogia barata, procurando enlamear o seu antecessor.
Mas também era suposto que quem o lidera não tivesse entrado numa catadupa de declarações demagógicas e oportunistas, enquanto líder de oposição, prometendo tudo a todos.
Agora na pele de primeiro-ministro, desculpa-se, cauteloso, a propósito da falta de professores: “Não vendo ilusões”. (Já perceberam que, afinal, isto vai correr pior do que estavam à espera. Tal como houve mais 40% de urgências hospitalares encerradas do que no ano anterior, também haverá mais alunos sem aulas).
Mas a verdade é que foi feirante durante demasiado tempo.
Na abertura do ano letivo 2022/2023, proclamava, categórico, que “a verdade é que haverá umas dezenas de milhares de alunos que vão iniciar o ano escolar sem professores, pelo menos a uma disciplina”. E zurzia no governo de então, pela falta de preparação: “é lamentável e muito reprovável que o Governo não tenha aproveitado aquilo que aconteceu no ano passado, para prevenir que a situação se pudesse repetir [este ano letivo]”.
No ano passado, a 18 de setembro, de peito feito, responsabilizava o anterior governo por haver quase 100 mil alunos sem professor a, pelo menos, uma disciplina. Mas a bazófia não ficava por aí. Trinotoante, lançava a atoarda: “olhar para as declarações do senhor ministro da Educação, na esteira do que já tinha dito o seu colega da Saúde (...), de que é preciso tempo para resolver os problemas, é mesmo caso para dizer que isto é um atraso de vida”. E continuava, cheio de si: “chega a ser anedótico ouvir os ministros deste Governo queixarem-se de que as políticas precisam de tempo e que precisam de tempo para resolver os problemas”.
No início do ano letivo, este é o cartão de visitas do primeiro-ministro:
- Mais de 200 mil alunos em risco de não ter aulas, pelo menos, a uma disciplina;
- 1.128 horários por atribuir, sendo 1.033 em Lisboa, 254 em Setúbal e 60 em Faro;
- Mais de 21 mil professores sem escola atribuída;
- Cerca de 37% do total de professores, correspondendo a mais de 46 mil professores, apresentou-se ao concurso interno (ou seja, pretende mudar de escola);
- Há inscrições atrasadas nas creches gratuitas provocadas pelo desnorte, falta de definição de regras e por instruções superiores para adiamento;
Hoje, no início do ano letivo, o governo em funções desculpa-se com os outros, pede tempo e diz que para o ano é que é.
Menos conversa e mais ação, é o que se lhe exige, agora.
É certo que o problema é antigo e está há muito diagnosticado: o envelhecimento da classe docente e a degradação do estatuto profissional e social dos professores impede a renovação do quadro. O diagnóstico está feito. Inclusive pelo governo anterior que, em 2021 encomendou e divulgou um estudo da Universidade Nova de Lisboa que mostrava que, em 10 anos, o número de professores baixou de 91 mil para 77 mil, o que obrigaria a contratação de mais 34.500 professores no ano letivo de 2030/2031. Neste momento, 60% dos professores tem mais de 50 anos.
Cabia ao governo anterior ter antecipado os problemas. E apressado a sua resolução. Tudo certo.
Mas foi o atual governo quem alardeou promessas de solução rápida.
Pior do que isso, adotou medidas absolutamente irrealistas e de quem não faz ideia de como funciona o sistema público de ensino primário e secundário. Vejamos as duas principais medidas que foram prometidas: a) contratação de 1.200 professores reformados; b) contratação de 500 bolseiros de investigação.
A peregrina ideia de que antigos professores com 70 (e mais) anos de idade poderiam voltar a lecionar choca com o bom-senso. Não voltam. Quer porque os custos de regressarem (despesas de transporte; de alimentação e de alojamento) não compensam o acréscimo salarial à pensão, quer porque a exigência da profissão não é compatível com a fase de vida em que se encontram. Mas, mesmo que voltassem, a incontornável natureza humana demonstra que a taxa de absentismo seria muito superior, por força de baixas médicas, com prejuízo evidente dos alunos.
Mas a ilusão de que bolseiros de investigação pudessem vir dar 6 horas semanais de aulas (no início, chegaram a pensar em 10 horas!) rapidamente se esfumará quando esses programas de recrutamento também ficarem desertos. Só alguém que nunca fez investigação científica pode achar que um doutorando que dispõe de um prazo curto para entrega de tese de doutoramento, sob pena de perda da bolsa, consegue compatibilizar a investigação e a escrita da tese com aquela carga letiva, preparação de aulas, correção de testes e de exames e reuniões de turma e com encarregados de educação.
Resultado: o programa de recrutamento de bolseiros ficará tão deserto quanto o de professores reformados.
A impreparação dos atuais governantes é assustadora. E preocupante.
Mas mais preocupante foi a ligeireza com que o primeiro-ministro procurou enganar as pessoas – pais e alunos –, prometendo que iria reduzir em 90% o número de alunos sem professor(es). Esse plano, anunciado em junho e tão elogiado pelos que frequentam os círculos próximos do novo ministro, ruiu, hoje, como um castelo de cartas. À semelhança do risível Plano de Emergência para o SNS, começa a perceber-se que é fácil falar e lançar umas ideias para uma folha de papel. Difícil é fazer.
Na abertura do ano letivo, há que assumir a responsabilidade pelo (mal) que se fez e pelo que (infelizmente) não se fez.
Está provado que o atual governo tem muita garganta, mas pouco o que entregar.
Estudem mais. Preparem-se melhor. E passem nos exames.
Ou chumbam no final do ano letivo que agora se inicia.
Senão bem antes disso.