Opinião

Os Aquém que querem dizer Chega

Uma pergunta persiste na cabeça de muitos portugueses. Quem é o eleitorado do Chega?

Respostas não têm faltado. Até a heterogeneidade do parque automóvel estacionado em Viana do Castelo aquando do congresso realizado em janeiro pareceu ser uma boa pista. Creio que ainda pode fazer sentido tirar conclusões relevantes sobre quem é um português tendo como referência o carro em que se desloca e concordo com a referida heterogeneidade que se queria provar, mas cada vez que se discute o tema continuo a ter uma outra pista que acompanhamos há alguns anos no C-Lab: os Aquém.

Os Aquém são, como o advérbio esclarece, pessoas que estão longe daquilo que eram as suas expectativas. Quando os começámos a estudar há quase dez anos dizíamos ser uma geração nos trintas que acreditava não estar a tirar um justo partido dos seus talentos, habilidades e energia. A sua vida ia sendo uma sucessão de planos adiados. Em 2017, 39% da população entre os 25 e os 44 estava nesta situação em termos profissionais ou económicos. Em 2019, prosseguimos e confirmámos não só que os mais jovens continuavam a engrossar as fileiras Aquém como os seus pais viviam igualmente frustrados pela expectativa não cumprida de emancipação e sucesso dos filhos.

Percebemos, na altura, que a equação fundamental ‘realidade’ / ‘expectativas’ estava totalmente desajustada. Ou a realidade melhorava ou as expectativas diminuíam ou ambas se iam aproximando. Enquanto isso não acontecesse, ia continuar a crescer esta população Aquém.

Percebemos, também, nesse trabalho de campo quão difícil é falar de ‘expectativas’. Porque falar de expectativas é falar de lugar de origem, de sítios de onde se quer fugir apesar da enorme ligação emocional, de feridas de crescimento, de distâncias sentidas em relação aos outros muito difíceis de reconhecer e (ainda mais) verbalizar; um bom filho não se manifesta de forma alguma contra os pais; a inveja, mesmo se boa, não se acusa.

Olhar de frente a ‘realidade’ também não é fácil. É falar de esforços e esperanças depositadas num investimento de formação que custou bem-estar à família e da frustração sentida perante planos defraudados. As pessoas não estão treinadas para falar do fracasso e da maneira como gostariam que as coisas fossem; a vergonha por falhar nos padrões autoimpostos é um sentimento que instintivamente se cala.

Não terá sido isto que aconteceu? Uma população que se foi calando e que se sente representada agora por alguém que personifica a sua zanga?

Dirigidos às empresas e negócios que servimos, escrevemos em 2020: «há uma intervenção em aberto na comunicação, no tom, em iniciativas ou conteúdos que tenham em atenção a engenharia em que estes indivíduos vão ter de empreender para diminuir a distância entre aquilo que é a sua realidade e as suas expectativas».

Mas o tempo foi curto para engenharias. As expectativas não se alteraram e a realidade foi atropelada por uma pandemia, pela inflação, pela crise habitação, pelo deteriorar dos principais serviços públicos.

Enfim, caros leitores, ficam apresentados os Aquém. Estão zangados e calados na sua zanga há demasiado tempo. Não sou politóloga, mas parece-me uma pista melhor para perceber o eleitorado do Chega do que o parque de estacionamento em Viana do Castelo.