Precisamos falar de economia e empresas para atrair capital e investimento. E não estamos. O país precisa de atrair capital, precisamos de investimento e ter perspectivas de crescimento. Dizem-nos que este é um orçamento desinteressante e que o Governo "capturou" o conceito das contas certas, ignorando-se, naquilo que é uma boa imagem externa que, afinal, foi conseguido por inflação e impostos, e não por reestruturação. A discussão ficou concentrada num único ponto, no aumento do IUC para carros anteriores a 2007. No entanto, a atenção deveria central devia estar na (falta de) estratégia subjacente, numa (inexistente) visão de país e no que devia ser uma abordagem sustentável para o crescimento económico.
A Economia
No relatório do Orçamento do Estado, o Governo, como habitualmente, apresenta os seus números e propostas para o ano. Mostra também o seu diagnóstico como justificação para as suas opções tomadas. E o diagnóstico é terrível:
- A economia portuguesa não investe. Aliás, o baixo investimento em 2023 e, previsivelmente, em 2024, ficou abaixo do previsto no Programa de Estabilidade
- O contributo das exportações líquidas para a economia portuguesa continua a ser negativo, não se alterando a tendência que começou com o COVID-19.
- Há um desajuste entre a oferta e procura de trabalho, o que juntando com a evolução demográfica, tem já impacto em estimativas de baixos números de criação de novos empregos
- A produtividade aparente do trabalho cresce a uns medíocres 1,2%.
- Crescimento baixo e ainda mais gravoso numa altura do “maior volume de fundos de sempre” e onde, findo o PRR, mantemos taxas de crescimento anémicas, sinal de não robustez nem transformação.
Os Cheques
As principais medidas políticas são apresentadas em pequenas fichas em pouco mais de uma dúzia de páginas. Tudo traduz um Governo de pequena ambição. Vale a pena desconstruir, pelo menos, algumas narrativas, colocando o valor do cheque médio implícito a cada uma das medidas (os números base são evidentemente dados pelo Governo):
- Reforço do IRS jovem: 200 milhões por 80 mil jovens. Cheque de 2.000 euros por jovem.
- Devolução de propinas: 215 milhões por 250 mil jovens. Cheque de 850 euros por jovem.
- Gratuidade dos passes: 126 milhões por 370 mil pessoas. Cheque de 351 euros por pessoa.
- Programa Anda Conhecer Portugal: 4 milhões por 126 mil estudantes. Cheque de 32 euros por estudante.
- Gratuidade das creches: 100 milhões por 120 mil crianças. Cheque de 833 euros por criança.
- Redução transversal de IRS: 1.327 milhões de euros por 6 milhões de agregados. Cheque de 222 euros por agregado, entre outras.
Como é fácil de ver, tanto pela forma como pelo conteúdo, que não se pretende reformar nenhuma área do Estado. Há apenas compra de eleitorado ou o acalmar de pulsões públicas, com medidas avulsas e com pouco sentido:
- Qual a suprema lógica governativa de dar, aos jovens, um bilhete para a CP ou acesso a pousadas da juventude?
- Dá-se passes grátis, mas não se resolve a maior restrição à mobilidade: a ausência de transportes públicos, fiáveis e com conforto mínimo.
- O aumento de até mais duas crianças por turma nas creches e da flexibilização dos espaços é, note-se, para setembro de 2024. Sendo certo que nas creches não há programa letivo ou razoabilidade dos mais novos entrarem na escola logo após o verão. Ou seja, continuamos sem vagas nas creches. E para as vagas criadas, era relevante saber qual o plano em curso para o pessoal docente e não docente…
- A atualização dos escalões de IRS é abaixo da inflação prevista, não compensa a perda de rendimento de 2023 e fica aquém do previsto no acordo de rendimentos com os parceiros sociais. Mas continua-se a falar de “Devolver rendimento às famílias”, num Orçamento que tem uma receita fiscal de IRS que apenas reduz em 70 milhões de euros face ao ano anterior, num global de cerca de 18 mil milhões.
São exemplos, mais há.
E as reformas?
Mas, tão importante quanto desconstruir estas medidas, é perguntar onde está o ímpeto reformista? Onde está a reforma do sistema de saúde, para além de um reforço de uma Comissão Executiva e medidas que não travam um colapso? Onde está a autonomia das escolas e o reforço do programa de recuperação de aprendizagens? Onde está uma política de primeira infância? E a reforma da justiça? O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social terá um reforço de 3 mil milhões de euros, mas a política de investimento continua com a mesma exposição, mesmo contra as recomendações até do Tribunal de Contas.
E absolutamente central: onde estão as reformas que permitem o crescimento económico? Onde estão as empresas neste Orçamento? Onde estão os investimentos transformacionais? O reforço do plano de regadio é incipiente. Não há uma redução do esforço de licenciamento ou de acabar com as taxas e tarifas para a indústria e serviços. Não há alteração na fiscalidade pouco competitiva das empresas, que é elevada, complexa e pouco previsível. Não se reduzem os custos de contexto e política promotora de produtividade. Como cereja no topo do bolo, termina-se com o pouco de competitividade que havia - o regime de residentes não habituais.
Peças soltas que não fazem um puzzle. É preciso reformar e governar. Vamos em mais um orçamento perdido, num país em xeque e a cheques.
* Carla Castro é deputada da Iniciativa Liberal