Opinião

Revisão da Constituição – e os círculos eleitorais?

Não sou defensor, por agora, de uma reponderação do número de deputados, mas sou apologista de uma revisão da lei eleitoral para a Assembleia da República que contemple as atuais NUT’s III enquanto círculos eleitorais

O Parlamento revestiu-se de poderes constituintes nesta legislatura. Não interessa quem desencadeou o processo, importa que se analisem os projetos entrados e se encontrem neles as virtualidades que permitam agregar o PS e o PSD na introdução de melhorias no texto da nossa lei mãe.

Os deputados estão a discutir a “coisa”. De quando em vez, lá saem umas notícias, nada de interessante, nada de substancial. Ora, rever a Constituição da República não é granjeio que se faça todos os dias e os portugueses têm o direito de saber que plantios andam os eleitos a fazer.

Enredados em questões que se prendem com o facto de as operações das Secretas serem, obrigatoriamente, secretas, os agentes políticos parecem esquecer o importante. Mais, parecem deixar o labor constitucional a poucos que, pelo seu passado de alfaiates de sistemas pérfidos, podem levar a que tenhamos os animais de estimação a sentarem-se à mesa, como os seus donos, com direitos que os humanos sem-abrigo deixaram de ter há muito.

Há uns dias, por mero acaso, um jornal dizia que o PSD queria mudar os círculos eleitorais e reduzir o número de deputados. Esta é uma questão muito relevante e com implicações para além dos artigos que querem remover ou alterar.

Nos últimos 30 anos, o país tem vindo a seguir a Nomenclatura de Unidades Territoriais Estatísticas (NUT’s) como base para as políticas de ordenamento e de fomento.

As NUT’s nasceram como elementos de identificação agrária e foram passando para a organização sub-regional na aplicação dos fundos europeus, seguindo um padrão de geocódigo que é aprovado pela União Europeia.

A adequação dos Gabinetes de Apoio Técnico (que no início do municipalismo democrático foram essenciais na atividade dos autarcas dos concelhos mais piquenos) ao universo das NUT’s, posteriormente confirmada pelas associações de municípios e, há quase duas décadas, pelas comunidades intermunicipais, foi construindo uma nova realidade a que já não podemos fugir.

Os Distritos, nascidos do liberalismo, tinham muito de artificial, mas encontravam razões geográficas e formas de sentir que permitiam uma certa razão de existir. Esses mesmos Distritos, enquanto utilidade política, mantiveram-se até à segunda década do presente século, continuando, ainda hoje, a figurar na Constituição da República Portuguesa.

Já não temos governadores, mas ainda temos, em alguns serviços desconcentrados, uma organização distrital. São os casos das forças de segurança, os serviços de finanças e da segurança social, por exemplo.

O processo de descentralização, que o Governo tem vindo a concretizar, tem muitos dilemas que, mais cedo do que tarde, se vão revelar. Desde logo, há um problema que se prende com a transferência universal das competências, o que leva a um tratamento semelhante das câmaras piquenas e das câmaras enormes. Não houve uma ponderação completa das redes nem dos ganhos que essa deslocação de recursos deveria ter obrigado a estudar a priori.

E também foram transferidas responsabilidades que deveriam ser das regiões que um dia virão a ser criadas, porque fazia sentido uma visão de conjunto, uma leitura ampla da eficiência da despesa pública.

Mas o processo não contestou a organização intermunicipal e isso interessa, também, para o caminho que queremos seguir nos universos político e partidário.

Dois passos já deveriam ter sido dados. O primeiro passo, mesmo que se possa considerar simbólico, deveria ser a mudança de designação das Comunidades Intermunicipais para Distritos, novos distritos, mas atualizando o artigo 291º da CRP; o segundo passo deveria ser o da adequação dos círculos eleitorais a esses novos/outros Distritos ou CIM’s.

Seguindo as notícias, parece que o PS terá impedido a densificação dos artigos 149º e 150º da CRP no sentido de ser assegurada a adequação futura dos círculos eleitorais e mantendo-os exteriores a toda a nova realidade regional e infra regional que se vem construindo. Ora, se assim vier a ser, perderemos uma bela oportunidade para fecharmos, com lógica, a descentralização de António Costa. E quando voltaremos a ter outra ocasião?

Sendo militante da causa da limitação dos mandatos dos deputados, não sou defensor, por agora, de uma reponderação do número de parlamentares, mas sou apologista de uma revisão da lei eleitoral para a Assembleia da República, seguinte às benfeitorias constitucionais, que contemple as atuais NUT’s III (Distritos no futuro) enquanto círculos eleitorais. E vou mais além, também deveríamos considerar que os círculos/NUT’s só poderiam eleger entre dois e cinco deputados e, por isso, as NUT’s III também deveriam ser subdivididas em círculos ainda mais pequenos.

Claro está, com esta nova realidade, e não havendo um círculo de apuramento nacional, os pequenos partidos poderiam perder uma parte dos seus eleitos, mas ganhar-se-ia na ligação entre eleitos e eleitores e, muito mais relevante, ganhar-se-ia em governabilidade, coisa que não é de somenos nos tempos que vivemos e, principalmente, nos que se antecipam.

Tentei encontrar uma razão para que o PS não tivesse querido mexer nos círculos. Só encontrei duas possibilidades: ou Costa não quer levar tão longe a sua descentralização; ou alguém anda nas suas costas a tratar dos trabalhos da revisão constitucional sem ter a dimensão correta do que hoje se anseia no país. Numa ou noutra das situações o líder do PS tem ainda uma última palavra. Espero que seja no sentido certo.