Na Revista do Expresso de 23 de outubro, Inês Serra Lopes publicou uma reportagem intitulada “O negócio obscuro dos tribunais arbitrais”. Neste artigo, debruço-me apenas sobre a arbitragem tributária interna criada no início da década passada, fenómeno de sucesso, objeto de grande consenso nacional e de genuína curiosidade internacional, um exemplo eventualmente a seguir por outros. A arbitragem tributária foi criada para reduzir as pendências nos tribunais administrativos e fiscais. A justiça tributária lenta é um fator muito prejudicial ao investimento nacional e internacional no país e à segurança jurídica dos contribuintes em geral. A arbitragem tributária julga segundo a lei, é um sistema paralelo ao dos tribunais fiscais, é uma opção dada aos contribuintes para resolverem os seus litígios com a autoridade tributária, de modo mais célere.
O regime da arbitragem tributária e o centro de arbitragem administrativa e tributária (CAAD) pretendem ser exemplares, na eficácia, transparência, permanente atenção à crítica, na procura de boas práticas, no aperfeiçoamento dos critérios quanto a árbitros elegíveis, no evitar de suspeições em matéria de isenção e de incompatibilidades, de cooperação institucional com o parlamento, o ministério público, o tribunal de contas.
São reconhecidos méritos à arbitragem tributária: o procedimento simplificado, a qualidade, em geral, das decisões, a celeridade comprovada e, com ela, uma oportunidade para alterações ágeis de legislação inadequada, a redução dos custos do sistema público (A. P. Dourado, The Portuguese Tax Arbitration in the Book and in Action, Tax Arbitration, CAAD, 2019).
No entanto, o sucesso da arbitragem tributária em Portugal não deveria fazer esquecer as razões da sua criação: a justiça lenta dos tribunais fiscais, cujas pendências não foram resolvidas pela arbitragem. A arbitragem tributária interna não existe nos outros Estados da OCDE ou da União Europeia, por ser de difícil justificação constitucional, dado que, tal como os crimes, o julgamento de litígios tributários deve estar reservado aos juízes (isto é, reservada à justiça pública e não privada). Esta questão não foi discutida em Portugal e não o será agora, porque a arbitragem tributária impôs-se com sucesso. A arbitragem cresce e, na ausência de reformas na justiça tributária, vai substituindo os tribunais de primeira instância.
O Estado favorece assim uma justiça tributária privada, desautorizando e desincentivando a carreira judicial tributária, e sem garantias de qualidade da arbitragem tributária. Diferentemente das sentenças dos tribunais que podem ser objeto de recurso e das carreiras judiciais que avaliam o mérito dos juízes, a arbitragem tributária não é escrutinada, a não ser quando contradiz decisões dos tribunais superiores (o que já não é mau). Os contribuintes avaliam, certamente, ao preferirem a arbitragem aos tribunais. A arbitragem tributária tem sido muito procurada pelos pequenos e médios contribuintes. No entanto, não sabemos se os contribuintes escolhem a arbitragem pela qualidade ou pela celeridade da decisão. Também não sabemos quem não recorre à arbitragem e por que não recorre à arbitragem.
A arbitragem tributária institucionalizada e complementar aos tribunais exigiria uma panóplia de condições impossíveis de satisfazer num país pequeno como Portugal: um conjunto alargado e estável de árbitros especializados nas matérias; estes não deveriam exercer funções de advocacia ou consultoria, nem deveriam poder exercê-las durante um certo tempo, após renunciarem ou suspenderem as funções de árbitro; uma jurisprudência constante; parâmetros de qualidade elevada contribuindo para a evolução legislativa; os erros manifestos em decisões não recorríveis para os tribunais deviam ser suscetíveis de correção. Algumas destas recomendações foram feitas por diversos académicos europeus, a propósito da Diretiva Europeia relativa aos mecanismos de resolução de litígios em matéria fiscal na União Europeia (S. Piotrowski et al, Towards a Standing Committee…, Intertax, ns. 8/9. 2019).
Mas não é suficiente aperfeiçoarmos a arbitragem tributária. Os estudos económicos mostram que não há razões políticas óbvias para os Estados promoverem a arbitragem, a não ser a redução de gastos: o facto de a arbitragem funcionar rapidamente, promove o desinvestimento na justiça pública (o efeito via verde de que fala N. Garoupa, Domestic Tax Arbitration: Some Economic Considerations, Intertax, ns. 8/9. 2019); e o facto de o Estado ser parte na arbitragem e nomear os seus próprios defensores, também suscita a dúvida sobre a promoção de agendas próprias desses defensores (N. Garoupa, idem).
O bom funcionamento da arbitragem tributária pode, pois, ter um impacto negativo na justiça pública e nas reformas necessárias. E na verdade, a única medida tomada no pacote de 2019 para aumentar a celeridade nos tribunais fiscais, foi o procedimento eletrónico obrigatório dos processos.