Opinião

Os imigrantes

A imigração na Europa é necessária. A política migratória europeia precisa de ser mais proativa, seletiva, transparente e previsível. Alguma imigração implica aumento de impostos e redistribuição. Para tal, é preciso consenso e este depende de coesão social. Em qualquer caso, o controlo da imigração será inevitável, diz a professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Ana Paula Dourado

Ao longo da última década, a imigração tem desempenhado um papel central nas campanhas eleitorais na Europa e nos Estados Unidos da América, ultrapassando o debate sobre a desigualdade, pobreza e redistribuição. Os partidos populistas têm organizado, com êxito, as suas campanhas à volta do tema da imigração, e os partidos com um discurso de redistribuição e despesas sociais têm sido relegados para as margens pelos alegados beneficiários de tais políticas.

Estudos europeus recentes sobre o impacto da imigração na pobreza e na redistribuição, concluíram que as classes mais baixas pedem impostos mais progressivos e mais redistribuição, porque receiam a baixa dos salários com a vinda de imigrantes. Mas não querem maior financiamento do ensino público, temendo a concorrência dos imigrantes com mais estudos, no mercado de trabalho. Os contribuintes mais ricos, pelo contrário, não querem pagar mais impostos, mas defendem mais gastos com o ensino. Estes últimos antecipam, provavelmente, que mais educação aumenta o emprego, e os seus impostos serão reduzidos.

A imigração como tema sociopolítico em Portugal ainda não incomoda seriamente. Em contrapartida, a crise dos refugiados sírios, a avalanche de imigrantes a Itália através do Mediterrâneo e a recente invasão de Ceuta através das portas abertas de Marrocos, foram amplamente noticiadas nos media portugueses. As imagens assustam e lembram que o problema mora ao lado, é um problema europeu, afetará Portugal e pode levar à desintegração da União.

A população imigrante tem crescido em Portugal nos últimos anos e constitui 7% dos cerca de 10 milhões de residentes. No final da década de 2000, os residentes em Portugal com nacionalidade estrangeira representavam 4% da população residente.

Segundo as estatísticas da Comissão Europeia, em 2019, na União Europeia, a média da imigração foi de 7,7%; 4,7% eram cidadãos de fora da União Europeia; no Reino Unido, a média foi de 14%, nos EUA, de 13,6%, na Turquia, de 2,8%.

A imigração é necessária para a Europa. Sem imigração, a população na União Europeia teria diminuído em meio milhão (em 2019, nasceram 4,2 milhões de crianças e 4,7 morreram).

A evolução da população estrangeira residente em Portugal está relacionada, na última década, com a taxa de crescimento real da economia e o crescimento do emprego, tendo diminuído no período de crise e aumentado no período compreendido entre 2015 e 2019 (+303.617). Em contrapartida, no final de 2019, a razão principal para a imigração na União Europeia foi a reunião familiar (38%), seguindo-se o trabalho 17%, o asilo 9% e a educação 4% (32%, outras razões).

Em 2020 verificou-se, pelo quinto ano consecutivo, um acréscimo da população estrangeira residente em Portugal, com um aumento de 12% em relação a 2019, totalizando cerca de 660 mil cidadãos estrangeiros titulares de autorização de residência. Em 2019, segundo os dados do Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo (SEF/GEPF), houve um aumento de 22,9% face a 2018.

Dado que a pandemia afetou o curso natural da imigração para Portugal, recordamos os dados do SEF/GEPF de 2019. Nesse ano, 81,1% dos cidadãos estrangeiros residentes constituíram uma população potencialmente ativa, sendo preponderante o grande grupo etário dos 25-44 anos (262.019). Manteve-se a distribuição geográfica da população estrangeira, incidindo sobretudo no litoral, sendo que 68,6% foi registada nos distritos de Lisboa, Faro e Setúbal.

Devido ao envelhecimento da população portuguesa, segundo o observatório das migrações (relatório estatístico anual de 2020), a taxa de atividade dos cidadãos estrangeiros ultrapassa a taxa de atividade dos nacionais ((+14,4 pontos percentuais em 2018 e +16,9 pontos percentuais em 2019).

Em 2019, segundo o referido Relatório do SEF/GEPF, a nacionalidade brasileira mantém-se como a principal comunidade estrangeira residente: representou 25,6% do total dos imigrantes (valor mais elevado desde 2012); Cabo Verde representou 6,3%; Reino Unido 5,8%; Roménia 5,3%; Ucrânia 5%; China 4,7%; Itália 4,3%; França, 3,9%; Angola, 3,8%; Guiné Bissau, 3,2%; e 31,9% dos imigrantes ficaram dispersos na categoria “outros”.

Em 2019, o Reino Unido subiu duas posições em relação a 2018, provavelmente consequência do Brexit, e constituindo a terceira nacionalidade estrangeira mais representativa em Portugal (em 2016, ocupava a sexta posição). A Itália ocupou a sétima posição, confirmando o crescimento que se tem verificado nos últimos anos (sendo que 29,5% dos cidadãos de nacionalidade italiana são naturais do Brasil).

Apesar da diversidade cultural e socioeconómica dos imigrantes em Portugal, alguns números fazem perceber uma ocupação em tarefas menos qualificadas ou de baixo salário pela maioria dos imigrantes. Esta situação é comum ao resto da Europa.

Assim, quanto aos setores de atividade mais preenchidos pelos imigrantes em Portugal, ultrapassando o exercício dos mesmos por nacionais, ou ficando perto destes, destacam-se, segundo o observatório das migrações: atividades administrativas e de apoio; cuidados pessoais, tarefas de proteção e segurança e vendedores; agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura, da pesca e da floresta; trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices; operadores de instalações e máquinas e trabalhadores da montagem; trabalhadores não qualificados.

A situação não é muito diferente nos outros países europeus: verificou-se uma sobre-representação dos imigrantes em atividades de hotelaria e de restauração, administrativas e de apoio, domésticas, cuidados pessoais, construção, minas, indústria e transportes, assistência, na preparação de refeições, agricultura e pesca. E uma subrepresentação na atividade de ensino, empresarial e agricultura orientada para o mercado.

A taxa média de emprego na Europa dos imigrantes face aos nacionais pode revelar discriminação e não integração: em 2019, a taxa média de emprego na União Europeia para a população ativa foi mais elevada 73,8%, do que para os imigrantes (60%).

Para além da questão estritamente económica – emprego e redistribuição -, os imigrantes de religião muçulmana com valores muito distintos dos ocidentais e a imigração ilegal integram algumas das maiores preocupações do debate político europeu.

Em 2015, a percentagem de residentes provenientes de países maioritariamente muçulmanos era de 0,15% (4,12% da população estrangeira residente em Portugal), percentagem muito reduzida em comparação com outros países da União Europeia: por exemplo, em França os muçulmanos representavam quase 7% da população total, na Alemanha cerca de 3% e cerca de 2,6% no Reino Unido.

Em 2019, houve 141.700 entradas ilegais na União Europeia, tendo-se destacado imigrantes do Afeganistão, Síria, Marrocos, Turquia, Iraque, Argélia, Paquistão, Palestina, Irão e a Somália.

A política migratória, de asilo e de controlo de fronteiras é um dos maiores desafios para a União Europeia e a sua sobrevivência. Ela é da competência partilhada da União Europeia e dos Estados Membros, desde o Tratado de Lisboa (de final de 2009). A União Europeia é competente para estabelecer as condições de entrada e residência de estrangeiros de fora da União, incluindo objetivos de reunião familiar. Cabe a cada Estado determinar o volume de imigrantes.

As imagens televisivas ou nas redes sociais apavoram, cada Estado da União Europeia parece estar sozinho à mercê dos problemas com os seus imigrantes. Não é totalmente verdade. Existe uma agenda europeia sobre migrações, e um relatório de 2019 revela a ajuda financeira aos locais críticos (de que foram exemplo a Grécia e a Itália), o papel da Agência Europeia de Fronteiras e da Guarda Costeira, financiamento de locais para refugiados na Turquia, o financiamento de projetos para responder à crise síria, trabalho para retirar migrantes em condições terríveis na Líbia, parcerias com a União Africana, projetos para o desenvolvimento de África, tentativas de desmantelamento de redes de tráfego humano, entre outros.

A União Europeia aprovou um pacto em 2020, que pretende uma avaliação conjunta das condições de aceitação de imigrantes e pedidos de asilo; devolução das pessoas em caso de pedidos rejeitados; controlo de fronteiras externas; mecanismos financeiros de solidariedade para com os países da União mais afetados; relações externas com os países terceiros mais importantes, em termos de origem ou funcionando como corredores para a Europa.

Parece existir vontade de atuação europeia em diversos níveis: nas fronteiras, na origem do problema, nos países vizinhos à Europa. Tudo isto parece pouco: a ajuda europeia ao desenvolvimento é primordial, mas as causas da imigração não são apenas a pobreza, são também guerras, regimes corruptos, desigualdades, violações de direitos, insegurança. Acordos com países autocráticos não garantem o controlo da imigração para a Europa, como se viu no recente caso Marrocos-Ceuta.

A política migratória europeia precisa de ser mais proativa, seletiva, transparente e previsível. A imigração na Europa é necessária. Alguma imigração implica aumento de impostos e redistribuição. Para tal, é preciso consenso e este depende de coesão social. A coesão social exige respeito por valores fundamentais nos países de acolhimento e tolerância por parte destes quanto a valores não fundamentais diferentes. É preciso tornar o ensino superior atrativo para a imigração e seus descendentes. Este traz integração e retorno económico. Mas o controlo da imigração será inevitável. Em vez de recorrer ao outsourcing, Portugal e a Europa precisam de criar e garantir fronteiras éticas, onde os direitos humanos não sejam violados.