Opinião

As Causas. Somos agora a Itália de há um ano?

Estamos a viver, 10 meses mais tarde, o que os italianos viveram em março do ano passado. Quem achar que estou a exagerar, por favor leia o que no Observador de ontem é dito pelo deputado (e médico voluntário no Hospital de Cascais) Dr Batista Leite ou por tantos outros médicos. Ou consultem os “Wordlmeters” que afirmam que anteontem eramos o país com mais infetados e o segundo com mais mortos no Mundo em função da população.

Com certeza que agora não há alternativa ao confinamento geral.

Mas isso não é resposta à questão que é essencial há mais de 10 meses e agora mais do que nunca: de quem é a culpa? É que sem se averiguar responsabilidade e alocar culpas, nunca se corrigem os erros.

O Governo acha que não tem culpa. Discordo com veemência e sem equívocos.

OS QUATRO ARGUMENTOS DO APOCALIPSE

Para “tirar o cavalinho da chuva”, o Poder Político vem usando os seus ilimitados meios de propaganda e abusando da tendência dos portugueses para a tolerância em excesso com as falhas e os erros que os fazem sofrer.

Os argumentos do Poder Político para se defender são os seguintes:

  1. Não era previsível que isto ocorresse e, em todo o caso, está a acontecer o mesmo em toda a Europa;
  2. A principal causa do que estamos a viver foi o aliviar da pressão no Natal, e todos os partidos quando foram ouvidos em Belém foram favoráveis a isso;
  3. Acresce que os portugueses relaxaram quando souberam que vinha aí uma vacina;
  4. E muitos não respeitaram as regras legais e administrativas do “estado de emergência”, agindo sem cautela nem cuidado.

Estes argumentos confirmam que o Governo e o PR se consideram inocentes. Mas os argumentos são apenas poeira deitada nos nossos olhos e têm de ser desmontados, em nome da Cidadania, da verdade e da proteção de todos, evitando-se insistir nos erros daqui para a frente

O QUE ESTAMOS A VIVER NÃO ERA PREVISÍVEL?

Sim, era previsível. Vejam estas notícias dos anos 2015 a 2020 que reproduzo.

Como dizemos no Direito, “dies certus an incertus”, ou seja, não se sabia quando, mas era certo que ia acontecer.

Contra isso a tese do Governo é simples, trata-se da famosa TINA (“não há outra alternativa”). Defende que só há (e só aplicou) uma solução contra a pandemia, a que chamo “música de harmónio”:

Confinar o máximo de pessoas possível, impedir o máximo de contactos e deslocações, reduzir com isso as infeções, melhorar os indicadores, a seguir desconfinar e reabrir atividades, até que uma nova vaga obrigue a recomeçar; e assim sucessivamente até a vacina nos salvar.

Dentro desta estratégia, não há por isso nada mais previsível do que o que nos está a acontecer.

Por um lado, porque desconfinar logo que possível é essencial para a saúde mental de todos, para se poder tratar corretamente as outras doenças e para se não destruir a economia e acentuar ainda mais as desigualdades. E, por outro lado, porque tentar adiar novos confinamentos é a natural e compreensível tendência do Poder Político.

E o estafado argumento “os outros também”, além de não ter valor objetivo como justificação, é cada vez menos verdade, como demonstra o estatuto de piores no Mundo a que chegámos.

A CULPA FOI DO NATAL?

Este argumento cheira a má fé. O Natal não apareceu feito, foi o Poder Político que, com 9 meses de experiência supostamente acumulada, decidiu a solução para o Natal. Se corresse bem teria o mérito; tendo corrido mal, tem a responsabilidade. Ou seja, tem culpa.

O Presidente da República, do alto da sua subtil inteligência, vem afirmando que os partidos que consultou estavam de acordo ou até queriam mais abertura.

O argumento é uma variante doméstica da teoria “os outros também”; como em relação a outros países, não tem qualquer valor.

Acresce que no plano moral é chocante: se tivesse corrido bem, a conferência de imprensa era do Governo e a oposição não seria chamada a partilhar os louros. Como se diz desde a Roma Antiga, “ubi commoda ibi incommoda”.

Mas sobretudo, no plano dos factos, as oposições nunca tiveram acesso (como não têm tido os Cidadãos) a informação essencial; não era uma meia hora para cada partido em Belém que alterava essa realidade.

E, acima de tudo, é um argumento injusto e desonesto: a quase totalidade dos portugueses fizeram o que o Poder Político mandou, havia um “estado de emergência” que nunca foi levantado, o País fechava á noite e nas tardes dos fins de semana. Culpar os portugueses do que está a acontecer é desprezível, como seria culpar-nos por haver assaltos a casas em que não participámos.

A CULPA É DA VACINA?

Este é talvez o argumento mais absurdo que o Poder Político escolheu usar, e diz muito sobre quem o usa.

Convém lembrar o que agora se quer esconder. Alguns exemplos:

  1. A Ministra da Saúde, com o seu séquito, andou a correr de hospital em hospital para estar no prime time das televisões a anunciar a “Boa Nova” do arranque da vacinação;
  2. Os portugueses receberam em 26 de dezembro um SMS a dizer “COVID 19: Vacinação começa amanhã. Vacina facultativa mas recomendada e gratuita. Aguarde contacto do SNS. Info:covid19estamoson.gov.pt ANEPC”;
  3. Nessa data estaríamos a abusar do Natal, mas o sms não nos ameaça, alerta, assusta. Vende-nos uma vacina ainda inexistente e que a esmagadora maioria iremos receber na melhor das hipóteses apenas no Verão,
  4. Só em 15 de janeiro o autor deste tipo de SMS se voltou a lembrar de nós para nos lembrar o “dever geral de recolhimento obrigatório”. E para mais nada.

Por isso, das duas uma: ou o sonho da vacina não é para aqui chamado, ou o Poder Político tinha obrigação de saber que havia este risco e deveria tomar cuidados que não tomou quanto ao “show off” que montou.

A CULPA É DOS PORTUGUESES?

É verdade que alguns portugueses não respeitaram o “estado de emergência”, abandalharam, arriscaram, incumpriram. O problema é que em sociedades livres, como a nossa, isso faz parte do contrato social e não pode desculpar o Poder Político.

É por causa de haver pessoas assim que o Poder Político detém em exclusivo o poder de multar, deter, prender, castigar. Se o não faz, a culpa é sua e não dos milhões de portugueses cumpridores.

É espantoso que o Poder Político abdique desse seu dever, porque é mais fácil não obrigar a respeitar as regras, e que muita gente ache que o Poder é “coitadinho”, como se fazer respeitar a lei não fosse um dever do Estado.

Mas esse é um enorme dever: a intensidade do confinamento, dos danos à saúde pública, do reforço das desigualdades e da destruição da economia variam na razão direta da inação do Estado.

E se não seria capaz de o fazer sem ditadura, como disse o Presidente Rei, então a solução seria outra estratégia e não optar por nada fazer.

A CULPA É DO PODER POLÍTICO

Conviria que a culpa não morresse solteira, como é habitual entre nós. Sobretudo quando os factos são evidentes.

Alguns factos mais:

  1. O Presidente da União das Misericórdias, Dr. Manuel Lemos, numa entrevista ao “I” a que não vi fazer nenhuma referência, foi claro:
  1. O vírus passou a vir da comunidade para os lares”, e “quem contamina são os trabalhadores”, e com visitas das famílias “não houve nenhum facilitismo, nem sequer no Natal”;
  2. “O Estado é o principal responsável pelos lares ilegais” e é potenciado porque “a comparticipação do Estado às pessoas nos lares é muito baixa”;
  3. Não há resposta aos surtos nos lares ilegais, que não têm quadros técnicos, é “a família [ou quem] toma conta do negócio [que os] levavam para as urgências dos hospitais
  1. Os trabalhadores dos lares não têm os equipamentos de proteção que existem nos hospitais e deviam ter;
  2. Li esta semana um médico a afirmar que apenas 5% dos internados não têm comorbilidades prévias (os últimos dados que conheço são de novembro e teria havido 12 000 internados desde o início);
  3. Falharam o sistema de testagem (para quem não seja presidente da República) e os inquéritos epidemiológicos (87% da origem dos contágios são desconhecidos).

Desde abril que era evidente e gradualmente cada vez mais pessoas o foram dizendo:

  1. a estratégia “música de harmónio” é um erro;
  2. Gritar ao longo dos meses “vem aí o lobo” apenas tem como resultado a crescente falta de credibilidade de quem dirige a luta contra a pandemia;
  3. A “fadiga pandémica” é um dado conhecido e inevitável e o Poder Político nada fez – para além da “música de harmónio” – para a enfrentar;
  4. Se desde abril os idosos e os mais novos com comorbilidades fossem protegidos sempre e de forma sistemática – mesmo quando tudo parecia melhor –o sistema hospitalar não teria rebentado: 88% dos mortos têm mais de 70 anos e 99% têm mais de 50 anos.
  5. Como me escreveu alguém que tem estudado a pandemia como poucos, e cito, “as autoridades continuam a não divulgar regularmente (1) o nº de Hospitalizados e de internados em UCI’s por faixa etária, (2) o fluxo de entradas/saídas (ou tempo de permanência) dos Hospitalizados e dos internados em UCI’s por faixa etária e (3) a informação sobre a pré-existência de co-morbilidades nesses pacientes, o que nos impede de avaliar mais detalhadamente a carga sobre o sistema hospitalar por Grupo de Risco”.

Não informar os portugueses, tratá-los como crianças irresponsáveis, sacudir a água do capote é a causa do estado em que estamos e o símbolo brutal de que a culpa do que nos acontece é do Poder Político que falhou muito e desnecessariamente.

E, pior ainda, ontem António Costa usou o argumento salazarista de que o momento é de “unidade nacional” e que por isso as críticas são censuráveis. Só nos faltava mais esta!

HAMLET EM PORTUGAL: VOTAR OU NÃO VOTAR, EIS A QUESTÃO

Estamos a 5 dias da data da eleição presidencial e os media – muito compreensivelmente – dão total prioridade à pandemia.

Mas não é só isso. Como tenho dito, em 24 deste mês não vai haver uma eleição presidencial, mas apenas a revelação da classificação final da competição entre 4 pequenos partidos e uma cidadã que não conseguiu o apoio mínimo do seu próprio (o maior) partido.

Por isso tenho a sensação que a esmagadora maioria dos portugueses pensa como eu: estamos sobretudo interessados em saber se não aumentam no domingo as infeções pela Covid 19. Ou, como ouvi há dias a um amigo, “um voto vale o risco de um contágio”?

Claro que votar vale o risco, enquanto direito. Mas aqui do se trata é de ir votar sabendo que só há um candidato a sério e que descobrir se é André Gomes ou Ana Ventura quem fica em segundo lugar só interessa realmente aos poucos que – com toda a legitimidade - vão votar num deles.

Essas são razões para não votar? Em minha opinião devemos ir votar. Até por coerência, essa deve ser a posição de todos os que como eu acham desde abril que tentar fechar todos em casa não resolve o problema das infeções.

Seja como for, Marcelo vai ganhar e por isso acho que faz sentido politicamente tentar perceber o que vai ser o 2º mandato dele.

MARCELO E AS TEORIAS SOBRE O 2º MANDATO

Há duas teorias à venda.

A primeira, com que Ana Gomes tenta assustar os socialistas e com que sonha a Direita que odeia Costa.

A segunda, com que sonham os socialistas e com a qual as direitas mais ideológicas (Chega e IL) tentam assustar os eleitores moderados.

A primeira teoria tem do seu lado a tradição: Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco, mudaram no segundo mandato e fizeram a vida negra aos adversários que tinham tentado apaziguar no primeiro.

A segunda teoria tem a seu favor o personagem Marcelo.

Não garanto nada, mas estou firmemente convencido que Marcelo não vai mudar: tudo fará para que o PS chegue a 2023 no governo e será igual o que fará a seguir, quer o PS nessa altura volte a ganhar, o mais provável, quer haja maioria de Direita.

As razões parecem-me óbvias e são muitas. Eis algumas:

  1. Marcelo adorou ser Rei de Portugal e essa é verdadeiramente a sua natureza na fase da velhice;
  2. Se já gostava muito pouco da classe política da Direita agora gosta ainda menos: é atacado por muitos e está farto de ouvir o silêncio dos outros que não ousam apoiá-lo com energia, porque realmente acham o mesmo que os socialistas quanto ao seu posicionamento;
  3. O seu papel na História será mais escrito pela Esquerda – que é a classe dominante cultural – do que pela Direita;
  4. Já se habituou aos radicais de Esquerda, que seduziu, e não disfarça que viver com Ventura e até com a IL, com Rio ou com Passos Coelho não seria agradável para ele;
  5. Marcelo sabe que a estabilidade que apregoa leva um nome: “bloco central”. Nele, a representação do Centro-Direita cabe ao atual Presidente.
  6. Marcelo tem origem na Direita e com isso assegura que a oposição se torna mole. Se a Direita ganhar, ele não fará com ela um “bloco central” e a seguir virá a indesejada crispação;
  7. Se a Direita chegar ao Poder, não lhe perdoará o que sofreu. Se a Esquerda se mantiver no Poder, vai evitar tensões e tratá-lo-á com respeito.

Isto será bom para o País com os desafios que tem de enfrentar? Depende em parte de quem responda. Mas, sinceramente, acho que Marcelo nada vai mudar de essencial… o que uns gostam de ouvir e os outros, não.

Votem, por isso. Como acharem melhor.