Opinião

As Causas. Os portugueses e a resignação, o relativismo e o radicalismo

O povo português tem, como qualquer outro, algumas características. Podem ser qualidades ou defeitos; e por vezes o que uns consideram defeitos são qualidades quando vistas por outros.

É o caso da resignação, do relativismo moral e da atração pelo radicalismo.

A resignação não é indolência, nem desinteresse.

O que a resignação contém é uma espécie de cansaço cósmico, de desilusão acumulada e de impotência reconhecida.

O relativismo moral não é falta de valores nem desonestidade.

O que relativismo moral exprime é uma tolerância indiferente baseada no pressuposto que é e sempre foi assim.

O radicalismo não significa que a tendência natural dos portugueses não seja a prudência e a moderação.

O que significa é que o radicalismo das posições nos atrai e nos sossega, mesmo quando somos contra, pois gostamos de ver o mundo a preto e branco.

Hoje vamos tratar de três temas:

  1. a resignação quanto ao regresso ao confinamento total na pandemia,
  2. o relativismo moral quanto às trapalhadas da Justiça e à reação de António Costa,
  3. o radicalismo quanto à eleição presidencial.

E os temas são tão importantes que esta semana não há as quatro rúbricas finais.

A RESIGNAÇÃO QUANTO À ESTRATÉGIA CONTRA A PANDEMIA

O novo confinamento – agora inevitável - é a demonstração de que a estratégia do Governo foi um erro desde o princípio (por ser errática e não colocar todas as fichas na proteção dos grupos de risco) e só a resignação fatalista dos portugueses permite tolerar calmamente o que nos está mais uma vez a acontecer.

Não vale a pena repetir o que ao longo de meses fui dizendo. Como dizem os advogados, “I rest my case”. Vou apenas enunciar alguns dos muitos exemplos possíveis que confirmam o que penso.

Em primeiro lugar isto tudo era previsível que ocorreria ao chegar o Inverno. Vejam os gráficos do Hospital de S. João sobre a semana do Natal e Ano Novo em 2019 e 2020, que surgem agora nos vossos ecrãs, revelam que há um ano a pressão foi pior, em todo o caso:

Em segundo lugar, é inadmissível que António Costa dissesse vezes sem conta que isto não ia acontecer e que o País não aguentaria e agora, com um “flip flop”, passar a dizer o contrário e só haver um humorista a reagir.

Em terceiro lugar toda esta tragédia surge apesar de tudo a fechar ao fim de semana e do recolher obrigatório às 23h durante a semana, pelo que o mínimo exigível é que alguém explique as verdadeiras causas, que me parece que são os lares e os próprios hospitais. Agora alguns factos entre muitos outros:

  1. Pouca gente morreu com Covid 19 nos lares das Misericórdias desde março. Mas na semana a seguir ao Natal morreram 136 pessoas que neles estavam fechadas e protegidas. Esses lares são em regra excelentes em termos relativos, e com isso imagina-se quantos morreram em outros lares;
  2. Na passada semana, num hospital de referência em Lisboa – segundo pude saber de fontes primárias e o problema deve ser geral – havia pessoas na urgência COVID (positivos, suspeitos e mais tarde alguns negativos) a esperar ao frio (imobilizados, com batas do hospital, com completa incapacidade de controlo de infecção, seja pelo espaço inexistente entre doentes, ou pelo facto de retirarem a máscara constantemente pelo quadro confusional, demência, etc, que motiva a estadia no Serviço de Urgência);
  3. Esses doentes estavam em prefabricados com temperatura gelada, há vários dias sem ser atendidos, arrumados até ao limite nas supostas unidades individuais, onde obviamente não cabem macas e, por isso, alguns passam horas ou dias sentados numa cadeira, outros acabam por dormir no chão. E doentes suspeitos de Covid não são separados dos outros.
  4. Médicos, enfermeiros e auxiliares são escassos, trabalham dias a fio sem condições nem descanso.
  5. Os inquéritos epidemiológicos estão muito atrasados (milhares por concluir), as cadeias de transmissão descontroladas e ontem o Ministério da Saúde informava que estava agora a contratar pessoas para os fazer na zona de Lisboa;
  6. O Hospital de S. João está a vacinar pessoas não prioritárias porque o C Adm tem vacinas e decidiu não respeitar as regras existentes;
  7. O Coordenador Nacional de Vacinação, Dr Francisco Ramos, disse ao Expresso que “pode escrever que não respondo a essa questão” sobre prioridade a forças militares e de segurança e não aos mais frágeis; leiam então o artigo no Público de ontem da antiga Ministra Maria de Belém Roseira e da antiga Bastonária Maria do Céu Machado sobre o assunto;
  8. 6000 doses de vacina foram desperdiçadas e deitadas fora por atrasos burocráticos;

O Professor Abel Mateus escreveu – sem que ninguém comentasse no espaço público – que se este novo confinamento durar três meses vai custar 15 mil milhões de euros à economia.

Por isso a pergunta: não seria melhor desde março proteger, gastando o que fosse necessário, os grupos de riscos e não gastar muito mais do que isso devido à destruição da economia?

O RELATIVISMO MORAL NA JUSTIÇA

Não vou repetir os factos do tema da escolha do Procurador europeu, que são conhecidos.

O que me interessa é tentar perceber a forma como se reagiu a esses factos, realçando três exemplos:

  1. A definição dos critérios de escolha, pelo CSMP, apenas depois de se conhecerem os candidatos;
  2. A carta com dados falsos enviada pelo Ministério da Justiça para fundamentar a escolha do Dr. Guerra em detrimento do nome indicado pela Comissão internacional de Peritos;
  3. O ataque feroz do Primeiro-ministro a quem ousou criticar, acusando-os de uma conspiração anti-Portugal a nível internacional.

O que tudo isto tem de comum é a aceitação mais ou menos consciente destes comportamentos como sendo normais.

Eu sei que houve críticas, mas – com a honrosa exceção de Ana Gomes (que se excedeu, mas Marcelo Rebelo de Sousa não a louvou, antes aproveitou isso para a atacar e se fortalecer no eleitorado socialista…) – seguiram linhas partidárias, o que me convence de que se o governo fosse outro, os críticos seriam diferentes; mas o relativismo moral seria idêntico.

Para mim, que conheço razoavelmente o mundo da Justiça, tudo isto foi óbvio, consciente e deliberado. E para isso nem preciso de afirmar – o que desconheço, mas me dizem pessoas do meio que tenho por sérias – que a Procuradora Geral da República tem um grau maçónico mais elevado do que a Ministra da Justiça.

Mesmo que isso seja verdade, creio que não é por aí. A escolha resulta da força que tem um grupo de que faz parte o procurador José Guerra, mas não a procuradora Ana Carla Almeida nem o desembargador José Rodrigues da Cunha, e com o qual se sintoniza bem a Ministra da Justiça.

Admito também que ninguém tenha dado ordens para falsificar o curriculum de José Guerra, mas objetivamente ele foi falsificado para justificar com argumentos jurídicos o que apenas era uma opção grupal e política; e isso sabe-se agora que foi importante.

Finalmente, as acusações de António Costa podem resultar de andar de cabeça perdida por outras razões. Mas o que ele disse sobre Paulo Rangel, Poiares Maduro e Batista Leite é muito mais grave do que as afirmações (horríveis) de Ventura, como admitir cortar as mãos a ladrões como fazem na Arábia Saudita: aqui é alguém politicamente marginal, ali é um Primeiro-Ministro a acusar oficialmente de traição à Pátria os seus opositores.

Perante isto não se vê censura pública moral de quem faz a chuva e o bom tempo no espaço público e, infelizmente, isto não vai beliscar na opinião pública o ranking dos envolvidos. O que é em si mesmo a expressão evidente de relativismo moral.

O RADICALISMO NA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL

Os debates televisivos confirmam a atração pelo radicalismo populista. Em sinal aberto (com mais audiência) os canais não hesitaram: Marcelo 5 vezes, Ana Gomes e André Ventura 3 vezes, Marisa e João Ferreira 2 vezes, Mayan 1 vez.

Há 3 candidatos radicais ou populistas (Ana Gomes, Marisa Matias e André Ventura) e 3 candidatos não populistas (Marcelo Rebelo de Sousa, André Mayan e João Ferreira). Os primeiros estiveram 8 vezes em sinal aberto e os segundos também. Tudo equilibrado, portanto.

Mas se olharmos para as audiências (média total), surge outra realidade. Os debates vencedores foram:

1º Marcelo Rebelo de Sousa / André Ventura: 3,01 milhões;

2º André Ventura / Marisa Matias: 2,6 milhões

3º André Ventura / Ana Gomes: 2,14 milhões

4º Marcelo Rebelo de Sousa / João Ferreira: 1,79 milhões

5º Marcelo Rebelo de Sousa / Ana Gomes: 1,7 milhões.

Ou seja, o pódio teve André Ventura presente 3 vezes, Marcelo, Ana Gomes e Marisa Matias apenas uma vez.

Apesar disso, se olharmos para o que pensam os jornalistas e comentadores do Observador, Marcelo venceu o campeonato (14,3 em 20), logo seguido de Mayan (14) e de Ana Gomes (12,6), Marisa em 5º (10,3) e Ventura em 6º (10,1). E, no caso do Expresso, Marcelo ganhou (6,7 em 10), seguido de Ana Gomes (5,3) e de Mayan (5,1), Marisa em 5º (4,1) e Ventura em 6º (2,4).

Ou seja, gostamos de ver radicalismo, mas odiamos o Ventura e não gostamos da Marisa. Mas a verdade é que os resultados reais não foram bem assim. Vejamos:

  1. Como eu previ, Marcelo foi o “campeão nacional”, esmagou a concorrência, e desfez Ventura e Ana Gomes;
  2. Mayan foi uma excelente surpresa, quase ganhou a Marcelo; e Ventura perdeu com ele. Ganhou o prémio “simpatia”;
  3. Ventura perdeu com a Direita, ganhou a Marisa, e empatou com João Ferreira e Ana Gomes, mas ganhou o prémio “antipatia” e como os outros também mereceu o prémio que recebeu;
  4. Ana Gomes, aguentou-se bem, conseguiu irritar Ventura e evitou com isso a derrota; mas perdeu o único debate que tinha de ganhar, com Marcelo. Ganhou o prémio dos “meios de comunicação social”;
  5. Marisa Martins foi claramente o pior candidato, pelo que ganhou o prémio “carro vassoura”;
  6. João Ferreira foi pendular, previsível, respeitável, ficou a meio da tabela e ganhou o prémio “regularidade”.

No entanto, o importante nestes debates não é encantar adversários e a “media”, mas os adeptos reais e possíveis e atingir os seus objetivos.

Nesse sentido, Marcelo ganhou também. Não era difícil, pois é o melhor, mais experiente e mais amado do que os outros, mas desfazer Ana Gomes e Ventura não era óbvio.

Ventura alcançou quase todos os seus objetivos. Se não fossem erros graves e posições lamentáveis, se não fosse tão arrogante com Mayan e Gomes, poderia ter sido mais eficaz. Com a sua estratégia consolidou o Chega, deve ter mais de 10% (o que politicamente é aumentar 750% num ano) e surge como líder potencial da oposição.

Mayan é outro vencedor. Ninguém o conhecia, não é um “natural born politician”, mas foi coerente, corajoso, fiel às suas ideias e esteve no que foi de longe o melhor debate (com Marisa Matias). Para desiludidos com Marcelo à Direita, ele tem tudo para ser o voto refúgio. A ideia liberal deve agradecer-lhe e o Iniciativa Liberal pode aumentar 300% num ano.

O quarto vencedor foi João Ferreira. Não deve ter perdido um voto comunista e vai ganhar – muitos ou poucos – os votos da esquerda não populista, o que é bom para o futuro. Tem todas as condições para ser o próximo secretário-geral do PCP. Pode não passar de 5%, mas isso é secundário.

Marisa Matias e Ana Gomes conseguiram sair daqui derrotadas. A primeira porque perdeu com Ana Gomes a batalha pelas tropas populistas de esquerda. E a segunda (apesar de eu achar que vai ficar à frente de Ventura) porque se revelou na forma como agiu contra Marcelo – diga-se a verdade, de um modo que nem Ventura ousou – fugindo-lhe o pé para a demagogia e o populismo.

Com isso Ana Gomes destruiu o esforço que fizera até aí para moderar o estilo, tentando ser a “Sra Embaixadora” e acabando a ser … bom, fiquemos por aqui. E, depois, resolveu aderir de vez ao populismo e à agressividade contra o Presidente, voltando ao que é o seu verdadeiro terreno.

Faltam 12 dias para a eleição, não vai haver campanha, muita coisa pode mudar, mas não me parece provável que se altere, ou seja:

  1. Marcelo ganha à 1ª volta com mais de 60%;
  2. Ana Gomes fica em 2º lugar com menos de 15%;
  3. Segue-se André Ventura com mais de 10%;
  4. Finalmente muito próximos Marisa, Ferreira e Mayan com menos de 5%.

Se for assim, os candidatos populistas chegam a 30% e os radicais a 35%. O que é perigosamente muito. Mas em França, quando Macron ganhou aos primos dos nossos radicais, os extremos dos dois lados tiveram mais de 50% do voto.

Não se admirem que eu esteja preocupado e ache que tudo indica que as coisas por aqui piorem nos próximos anos.